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sábado, 15 de dezembro de 2012



          FOGÃO COMPANHEIRO, ISTO É O QUE ELE É!
     
Eram galhos secos de árvores e arbustos, separados especificamente para uso doméstico, combustível para o velho fogão de lenha, que reinava único e exclusivo na cozinha. Em torno dele a família costumava se reunir, em geral no frio da madrugada e no vento fresco do anoitecer. Ficavam a admirar o vermelho rubro das brasas estralando, ajeitando a lenha que se afastava do bocal da panela, substituindo os galhos tortos que se consumiam.  Ou acrescentando gravetos para impulsionar o fogo. Na quina da parede com o teto da cozinha, algumas abelhas dividiam o calor do fogão com as pessoas; uma “casinha” comprida e estreita, de barro, feita por elas aos poucos, acomodava as moradoras, discretamente. As pessoas aqueciam as mãos no calor das brasas e tocava no rosto gelado. As crianças percebiam-se protegidas e amadas sentando-se na lateral do fogão a observar o ir e o vir da mãe, apressadamente, nos afazeres culinários e domésticos. Não se sentiam solitárias, sempre tinha alguém da família por perto, ou alguns animais. Os trabalhos socializados e essa proximidade favoreciam o respeito e a valorização dos progenitores e dos irmãos mais velhos, pois viam o serviço, participavam do funcionamento da casa.    
Em tempos de longo inverno, de manhã, Lúcia, uma garotinha de 5 anos, enrolava-se num cobertor, sentada ou agachada num canto do fogão, próxima à parede já aquecida, esquentava-se e mantinha somente o nariz de fora e assim ficava por horas na mesma posição, até o sol erguer-se.                                
            -Não dá trabaio, esta menina. -Dizia Seu Reinaldo, o pai, enquanto a mãe ajudava no café. Às vezes a aconchegava em seu colo e até cantarolava, e a menina acabava dormindo novamente, nesse aconchego, pois acordava na aurora.
            Talvez o fogão realmente representasse um aliado, amigo para todas as horas. Figura arquetípica de pai/mãe. Aquele que transforma o alimento através das mãos da mãe. Alimento que fora plantado e cultivado por todos da família. Com cheiro peculiar, cor e sabor do seu cotidiano. Quantas batatas doces foram assadas em suas brasas rutilantes. Milho verde!  
Todo dia a senhora Deolinda, com uma das filhas, vinha mais cedo da roça para preparar o almoço, punha nas marmitas de alumínio para os que ficaram trabalhando na roça. Acrescentava uma garrafinha de café com leite. Ajeitava tudo em uma ou duas cestas, retangulares, de palha. Garfo e colher também enrolados num guardanapo excessivamente alvo.  -Tá quentano a comida, mãe? Ué, a mãe tá chorano.- Pensava Lúcia. Não!  Era só a cebola que a mãe cortava para a salada.  -Ô mãe! Dexa eu comê uma marmita tamém? -Indaga ela, com vontade de almoçar de forma semelhante aos irmãos, na roça: sentia aquele cheiro saboroso que acompanhava o vapor da marmita quando a destampavam, provocando saliva em sua boca. E já “grudava” os olhos “gordos” na garrafinha de vidro transparente e com tampa plástica colorida, cujo cristalino do recipiente era um atrativo lúdico para ela. Então, quando estava capinando, semeando ou cortando cana, Lúcia recebia também a sua marmita, ainda quentinha, como os outros. Vez ou outra, um vidro com pimenta curtida no vinagre, com sal e cebola picada, preparada artesanalmente, aguçava o apetite. Espremiam-se gotas de limão ou de laranja na comida.
             A parada para o almoço era concomitante ao ápice da fome, por volta das 9 horas, verificadas pela posição do sol.  Saíam de casa com o terceiro canto do galo, após o café das 5 horas. A labuta era suada, daí chegar cedo a fome do almoço.
A batatinha cortada em grossas rodelas, refogada na panela de ferro, temperada com cebola ou alho era um dos alimentos preferidos e de longe se sentia o aroma característico. O arroz, o feijão carioquinha, mulato, rosinha ou jalo – vulgo “amarelão”-, a omelete feita com um ovo só e mais cheiro verde, farinha de trigo e fermento, os legumes e verduras com um cheiro próprio de recém colhido, um cardápio caboclo. A chaminé quebrando sigilo indicava a qualquer raro visitante que o fogão estava em atividade. Por causa da fumaça constante liberada, a parede da cozinha permanecia sempre escura, coisa que incomodava as vistas dos moradores.
Na hora da janta: -Ô, Rita!Cata mai paia de mio no paiol pra acendê o fogo, que essas tão acabando. -Pede Dona Deolinda. –E sabugo também, pra ajudá a queimá essa lenha ruim que sobrou. Ponha o resto no jacá pra mode dos ninho das galinha. Seu Reynaldo ia empurrando as brasas mais para o fundo, com um ferrinho. Acesas aos poucos, com auxílio de um fole, as nuances alteravam-se conforme a brisa soprava, com o matiz ora vermelho claro, ora mais escuro.
             -Bem que a mãe pudia fazê aquele meladinho de açúcar, duro e grudento.
-Não vamo fazê doce nenhum, agora. Vamo parando com esse pampero, que tem trabaio pra fazê. -Falou a mãe, com seriedade. -E lave essas verdura com cuidado, veja se não tem bichinho grudado nas foia. Regace as manga da brusa pra mode de não moiá.
            -Não coma na panela, que chove no seu casamento! –Fala Lucilene, a filha mais velha, corrigindo Lúcia, que se esbaldava em raspá-la.
            -Eu não vou casá mesmo, resmungou Lúcia.
            –E não coma na concha.
As meninas tinham um valor semelhante ao guardião e à guardiã do fogo na Idade da Pedra Lascada. Invariavelmente uma delas bafejava o fogo para aumentar as chamas e impedir que se apagasse.
Quando os tijolos do fogão vermelho iam-se amornando, as meninas limpavam o excesso de cinzas que se acumulavam nas bocas do mesmo, com uma pequena vassoura de cabo curto e um pano úmido. As unhas ficavam escuras. A cinza era reaproveitada para os canteiros na horta. Algumas vezes, era necessário respingar água para acalmar as brasas, em outras vezes, os pingos de água caíam sem querer e atrapalhava. Lucilene tampou a panela do buraco de trás e colocou-a na chapa junto à chaleira. Eram três os espaços para o cozimento. Puxou um “tampão” redondo, de ferro fino, e vedou um dos buracos para impedir que a fumaça se espalhasse. Ergueu ela a pesada panela de ferro, o fundo sempre impregnado de carvão, procedeu à limpeza de sempre.
Outro dia:
-Dexe um pouco pra mim. Me dá um bocado, um tiquinho só... Ô mãe, só elas querem raspá a bacia do bolo.- Reclama Lúcia sobre o resto da massa que sobrara.
-É nada! Tem um pitéco procê aqui- Diz Lucilene lambendo a massa do bolo, nos dedos. – Mai venha logo, que tá acabando, sua descabelada!Completa em sussurro.  
            Caiu um cisco no olho de Maria. Dona Auda prontamente já puxa um lenço, e com uma das pontas o vai retirando dos olhos da menina. Em seguida pinga leite.


Tico-tico e o bullying


Deleise, com seu cabelo preto enrolado e suas sardas em tom marrom que realçavam seu belo rosto oval, olhos pretos vívidos. Devido às sardas, os colegas da escola e o irmão viviam dizendo que quebrara ovo de tico-tico. Tratava-se de uma associação das pintas da face com os minúsculos ovos desse pássaro, repletos de pontos marrons, e as pintas na face.  A zombaria a magoava profundamente e até à adolescência isto provocaria crises de choro na menina.