Um dia, Luzia e Regina baldeavam água do rio, num bigolo, para o cocho dos porcos, quando avistaram um forte redemoinho se aproximando.
- Corram, suas pestinhas, não tão veno o que vem lá atrais? – Maria trocava o gasto pavio das três lamparinas, sentada num tronco perto do poço, e alertou as irmãs. - O saci tá preso lá drento e se passá por perto ele sai e vem catá ocêis!!
- Cruz credo! Iscunjuro! Não quero coisa ruim catano eu, não. Corre, Luzia! – Bradou Regina à irmã que a seguia, em disparada. Os quatro baldes sacudiam a água deixando marcas na areia. As crianças levavam esta crença com seriedade e talvez até os adultos acreditassem nela. Não seria mais fácil entender que o redemoinho enchia os olhos de poeira e cisco, ao invés de pôr a culpa no saci? Não sabemos... Na corrida elas quase trombaram com o pai e o irmão que voltavam da roça puxando as duas mulas, com as ferramentas atadas ao lombo, o cão Fiel correndo à frente. Ambos riram das meninas, que ainda tiveram tempo de esgoelar:
-Sai da frente Lindóia! Tá vindo um “pé-de-vento” aí!! – A mula baia, cor de tijolo, mansa e apreciada por Regina, soltou um estridente relincho e quase fugiu aos pinotes, assustada. Nardinho redobrou a força na corda que a sustinha.
- Deixa eu passá, Minerva, sua branquela! - Gritou Luzia, matreira como ela só. A mula ficou ziguezagueando confusa no meio da areia branca que se suspendia do chão.
-Êpa! A Minerva deu no pé, destrambelhou!! - Seu Nardo corria atrás da mula que escapara levando a grossa rédea de estopa. Corria e gritava “costa ô!”, que seria encosta aí, e bradava “cruz em credo!! Sua lazarenta, vorta aqui sua morfética...!!” - E ele prosseguia emitindo sinais sonoros que somente o animal reconhecia, enquanto lá adiante se via a ferradura ao ar com os coices que ela dava. A muito custo ela foi resgatada pelos dois e levada ao pasto para o merecido repouso, milho e água fresca.
Quando as meninas entraram na cozinha os baldes estavam quase vazios ou sobraram apenas um restolho d’água .
-Agora, que tem saci-pererê fazeno estripulias na crina das mulas e do burro... ah, isso tem. Eu mesmo vi, de madrugadinha, saí pra ponhá os arreio na Minerva e encontrei ela e o burro com trancinha e até que tava bem feita - argumentou Nardinho, dando um tapinha na costa suada de Lindóia, enquanto ele e Seu Nardo descarregavam arreio, “quaiera”, relho, tapa olho, guardando-os na tuia. Alguns sacos de adubo químico se acomodavam empilhados num canto, um cheiro forte se misturava no ar, diferente do esterco animal.
- O bichinho é danado de esperto e só qué fazê peraltices. Ele gosta de brincá e se ninguém mexê co’ ele, não acontece nada, é que nem criança travessa, só isso! - Explicou o pai, convencido de suas próprias palavras, ia retirando o chapéu e o lenço que protegia o seu pescoço. – E precisamo apará as crina e o rabo dos animar. Onde será que tá o tisorão? Tem que amolá ele, viu fio?! Óia, essa história dos padre e as muié não dá certo não, viu...- E prosseguia falando compulsivamente.
Uma das passagens preferidas minhas no seu livro. Curti, pacas.
ResponderExcluirVocê gostou do burro, mas esse burro é meu!
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