PASSEIO, OVOS E BORBOLETAS
Numa das visitas das
primas, uma sexta-feira santa, Márcia ajudava sua irmã Lorena a colocar a cela
na mula, sobre um “baxero” - pano
que protegia a pele do animal-, apertaram a barrigueira, acertaram a corda. Não
quiseram fazer uso do bridão, incomodava a boca do animal, este salivava e se
inquietava.
-E a espora, Lorena?
–perguntou a prima Larissa.
-Não precisa! nóis não tem. Munte na Lindóia com a
Poly que eu munto com a Isis no Criollo, a pelo mesmo!- Marcia deu um tapinha
no traseiro da mula que já saía entre recomendações de tomem cuidado!
-Galope não! -gritou Larissa apavorada,
agarrando à cintura de Lorena, sobre o burro.
-Segura
firme, Larissa! Você tem medo até da Lindóia! -gargalhava Poly, ao ver a prima
de sua idade, na sua garupa, escorregando da cela da mula mansa, tentando
apoiar-se no estribo.
-Quem chegá primeiro no barranco vermeião vai podê recoiê os ovo do ninho das galinhas – Lorena cutucou levemente
o animal com os calcanhares, apressando o Criolo. Em alguns minutos chegavam ao
destino.
-Costa ôpa! –falou Lorena, encostando o animal no barranco. Saltou,
ajudou a prima a descer e o atou a um toco seco, permeado de fartas touceiras
de capim gordura.
-Quieta! Xiiiuuu!
-pediu Larissa, em vão, querendo se comunicar com a mula. Isis repuxou a rédea
com a mão esquerda, enquanto, com o corpo inclinado à frente, a direita tocava
o lombo e a crina aparada. Lindóia imobilizou-se e puderam descer. Amarrou a
corda com um laço preso a um alto, fino e cheiroso eucalipto.
-Olha só, que lindas!
–Isis extasia-se com um par de borboletas pequenas fazendo malabarismos em
ziguezague.
-Estas estão quase
sempre em duas, explicou Lorena, mas...vejam que baita borboletona ali no
tronco do calipto. É cinzenta da
mesma cor da casca da arvre.
-É pra disfarçar, assim
ninguém as encontra. Definiu Isis.
-A natureza é sabida mesmo!!
– confirmou Lorena.
-Tem uma preta com uma
mancha amarela, ali, olhem, que bitela!- mostrou Larissa, correndo atrás dela.
–Olha lá, ali, ali!!!
-Não pegue nela, que o
pozinho das asa tem veneno pros óio!! –falou .
As meninas se
concentraram na tarefa: achar os ninhos onde as duas galinhas “peregrinas”
estariam botando há alguns dias. Foram adentrando a reserva de mato, passaram
por um capão, adiante algumas moitas dispersas cogitavam a presença de algum
ninho. Lorena afastou os arbustos com as mãos e lá estavam eles: cinco ovos,
dois deles rajados em marrom e três brancos, cuja dona já tencionava chocá-los,
mas no momento saíra para se alimentar. Poly estendeu a cestinha de bambu e
deixaram para as primas o prazer em recolhê-los.
-Outro! Achei outro!
-grita Isis, atônita.
-Onde? –quis saber
Lorena. – Ah, sua boba, não é nada. Isso é ovo de codorna ou de nambu, que
adoram fazê ninho no chão.
Andaram
mais um pouco e encontraram o ninho; a prima grita, balançando o dedo:
–Aqui, aqui!Tem um,
dois, seis, oito!! Tudo vermelho! Não!!! Quer dizer, tem dois que é, que é
....azullll!! Nossa!!! Que legal!!!!
-Como pode ser isso?
-indaga a prima, pegando um na mão e o levando às narinas.
-Não sei. Só sei que de
vez em quando elas botam bonito, sabe?! -responde Lorena.
-Vamos catá eles antes que a Preta vorte! Ainda bem que ela ainda não ta
choca...Calou-se ao ouvir um co cócó, có
levemente rouco. Olhou para trás e observou a galinha que retornava aos
futuros filhotes.
-Que que foi Lo?
-indagou Larissa, sem entender nada.
-É, é dela o ninho, e
já ficou choca! - esclareceu Poly, afastando-se.
-Não ponha a mão neles!
-gritou Lorena à prima Isis, que permanecia agachada junto ao ninho. –Já começô a chocá. Bem que a mãe
desconfiava do jeitão da Preta.
-Mas e agora? -pergunta
a prima.
-Dexa eles aí! Os ovo tão galado.
-O que é isso?
-O galo Alarico cruzou os ovo drento da galinha e daqui a.......dias vai nascê uma ninhada de pintinho. -Explicou Lorena.
-Oito! -completou Poly.
-É, mai agora dexem ela aí e vamo vê se tem
ninho da Carijó e da Galega lá praquelas
bandas, que elas não tão mai botano
no paiol.
-Lalá, ocê tá cheia de picão! Ah ah ah !-Poly ria da menina cuja calça
estava lotada de semente preta e fina. Ajudou a retirar um a um.
-E oceis tão tudo com
carrapicho. Pinica a mão, viu?! –fala Lorena, levantando a barra da calça para
extraí-los.
Chegaram a casa
exaustas, depois do banho no rio foram escolher o feijão na bacia, o arroz na
mesa. Isis ficou fascinada pela destreza da tia Silvia abanando o feijão em uma
grande peneira. Seus olhinhos acompanhavam o sobe e desce dos grãos, cuja palha
ia caindo ao chão, permanecendo na peneira o feijão limpo, sem derrubar o
feijão junto com a palha que “voava”. Tal era a agilidade do movimento que mal
dava para perceber a existência dos grãos. Sua vista ficou embaçada e pediu à
tia se podia fazer também. A resposta foi um não bem taxativo. Dona Silvia não
pretendia perder todo o feijão colhido. A menina não insistiu. Palavra de tia
não se volta atrás. Se bem que as suas filhas sabiam tranquilamente peneirar os
alimentos desta maneira eficiente.
-Lavem bem as mãos com
sabão, pra janta. Tem água no barde
ali fora, falou Dona Silvia, e disse também a Poly:
-Poly, limpe este narótio, vamos?! –O nariz da menina
desprendia o catarro, enquanto o cachorrinho Lulu abanava o rabo, tentando
afastar-se das moscas inoportunas. Marcia
as amaldiçoava:
–Saiam
de mim!!!
Na manhã seguinte, como
já era costumeiro, acordaram de madrugada. Mas neste dia em especial, “quem
ficar por último é mulher do padre”, um correndo mais que o outro para chegar
ao rio e lavar os olhos. Só os olhos! A água ficava gélida nesta época do ano e
a ordem primordial era “Junior, Larissa e Isis, lavem bem os zóio pra vocês terem boa visão pro resto
da vida”.
Dona Silvia foi orientando os sobrinhos na sua
religiosidade e fé. Era sábado de Aleluia! E era costume lavar os olhos na água
fria do rio antes de iniciar qualquer atividade neste dia. Superstição ou não,
isso “garantia” uma boa saúde aos olhos das crianças, além de lhes propiciar um
clima de curiosidade e magia contagiantes.
-Mas se der dordóio é só pingar leite no olho, não
é? -comentou a tia Ana ainda na cozinha.
-Ah sim, é um santo
remédio! -fala Dona Silvia espreguiçando-se.
-Lave a fuça toda, Isis! pra vê se acorda! – Marcia alerta a prima
que, com as pontas dos dedos lavava exclusivamente o canto dos olhos, com os
pés fincados no saibro do barranco, à margem do riacho.
-Mas tá muito
gelada.Ui! –explica a menina sem pestanejar. –Sua mãe falou “os zóio!”.
Atchim!!!
-Saúde! -riram todos e
começaram a jogar água para o alto. Correram à casa para se aquecer, brincando
de pega-pega.
-Figuinha! -Teca cruzou
os dedos da mão direita, pedindo uma pausa na corrida. Parou para apreciar um
pica-pau furando o velho ipê roxo.
Passaram pela porta da
cozinha: Larissa sentada numa cadeirinha improvisada – Lorena e Isis com os
braços entrelaçados transportavam a menina-, enquanto Marcia e Junior faziam o
mesmo com Poly.
-Venham ver! Venha ver,
mãe! Eu estou alta! –Larissa chama a mãe e a tia.
-Não façam banzé! -lembra Dona Silvia.
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