Livro 25 anos do grupo de teatro “Andaime – Um
Jeito de Ser”
Acabo
de ler o livro Andaime – Um Jeito de Ser, escrito pelo doutor em História Social e
Mestre em Teatro, Alexandre Mate, com
uma rica abordagem sobre a trajetória de 25 anos do premiado Grupo Andaime de
Teatro Unimep, lançado recentemente numa festa a Dionísio - encontro histórico
entre atores, atrizes, diretores, dramaturgos, equipe técnica, familiares e
amigos. O livro contém belas fotos, relatos
dos integrantes do Grupo, dos diretores e autores, cartas, comentários sobre os
onze espetáculos encenados intercalados com algumas cenas, entrevistas aos
heróis que, em 1986, fundaram o Grupo - Antonio Chapéu e Carlos Jerônimo - e
seus depoimentos sobre as aventuras e desventuras dos participantes, os acertos
e erros e alguns detalhes quase desconhecidos da maioria, relatório crítico de
consagrados jurados nos muitos festivais, críticas jornalísticas e reflexões, e
assim, o autor vai amarrando a nossa história e contextualizando a época
política e cultural. Como bem lembra
Mate, nos versos de Brecht “Tantas histórias. Tantas perguntas”.
Quantos palcos pisados, improvisados
ou sofisticados! Palcos em que mal cabia parte dos atores em cena (a cena da
viagem, no espetáculo Nonoberto Nonemorto, por exemplo, ou o rio no Lugar onde
o peixe para). Deliciosa alegria de encenarmos para plateia efusiva e lotada
ou, meia dúzia de gato pingado. Em frente à igreja, na praça de Santa Olímpia,
quanta emoção. Ouvir os gritos de “Bravo! bravo! bravo!” durante quase 10
minutos, em Trento, Itália, em maio de 1999. Ahh! guardo na memória aquelas
pessoas em fila para experimentar um taco de cana “hummmm, é doce!!”, diziam,
surpresos e alegres. E quem poderia imaginar que aquela
caipirinha saída do mato e portadora ainda de tantas caipirices, um dia
viajaria para a Itália em evento cultural?! (extraído do livro A Menina do
Bairro Fria, romance autobiográfico). Ou, no Teatro Municipal de Piracicaba, na Unimep ou no Sesc recebendo
os abraços de nossos familiares e amigos com os olhos aquosos. Vieram muitos
prêmios e reconhecimento.
As músicas cantaroladas durante as
viagens. As festas, a comemoração da vida! A euforia, as ansiedades e neuroses
de cada um divididas com o grupo. Os reikis que eu aplicava, as massagens nas
costas dum, no pé doutro.
Subir e descer escadas e mais escadas
carregando cana, mesas, barco, de madrugada, e entrando às 7h na escola para
lecionar, ufa! Todas as tardes de domingo, muitos e muitos domingos, durante
muitos anos!! longe da família, quanta correria. Dez horas de ensaio, com um
intervalo de 10 minutos no mês que antecedia à estreia, às sextas, sábados e
domingos e feriados nas madrugadas. O suor escorrendo após horas de exercício e
caminhada pela sala de ensaio, num ritmo alucinante. “É aí que se cria! Vamos,
hospital geriátrico!”, dizia o diretor Francisco Medeiros, durante a montagem
de Nonoberto Nonemorto; transcende, acende, “põe fogo no rabo, minha gente,
vamossss!!” dizia ele, frequentemente. O piso do chão mantinha-se úmido pela
sudorese, que teimava em cair dos corpos mui aquecidos. O mítico, o multidimensional, a dor, o prazer
e acolhidos no grupo só tínhamos a crescer.
O trabalho de pesquisar, entrevistar, ler,
imaginar, escrever as cenas e interpretar, seja só, em dupla ou grupo. “Nossa!
Quem é aquela mulher, com aquele vestidinho preto, sobre o salto, que
imponência, misto de nobreza com sabedoria?!” lembro-me do Chiquinho Medeiros
anotando isso em sua grande agenda, referindo-se à improvisação de minha
viajante, e, depois compartilhando com o grupo observações de cada ator e atriz
em cena, na fase de elaboração da dramaturgia. Lembro da cordialidade, da
criação e da sensibilidade do Abreu, homem-anjo, inspirador.
“Ma injua, no”, diziam as Três Graças, a minha
graça chamada Irma, retraída porém
esperta, queria ser bailarina, com seu sapatinho especial dançava e
cantava com a sombrinha. Que saudades da Graça Simone e da Graça Marina; depois
vieram as Graças Gabi e a Graça Nelma. Esqueci-me de alguma? Perdoem-me a
memória frágil. Como posso omitir a mulher que viajava no Nonoberto Nonemorto
em toda apresentação? quantas cidades ela viajou, com sua mesma e única mala de
madeira (peguei de meu falecido pai), levava arame, uma bacia de alumínio
pregada na mala e uma escumadeira, de madeira! Um livro “Como escrever cartas”,
uma pedra da Itália - terra natal -, uma foto. Da coxia, lágrimas eu derramava
em toda apresentação. E o “sofrimento” para cantar dona nobis e depois as
gostosuras das músicas italianas, quando aprendemos... será que aprendemos,
Jânea?? E o canto do rio, então!! Ô
dureza de afinação...
“Xii, nem certô!” “– Eu guspo di novo”, as irmãs Dora e
Deleise, minha amiga irmã Vânia, que agora é mãe de dois, quanta diversão, trabalho,
estudo e conquistas... na hora de acordar as duas bocejavam, ela queria minha
boneca de sabugo de milho, pois a dela se perdera “enfia um pauzinho no cú do
diabo que ocê acha!” “dispois num isqueci de tirá sinão o diabo vem e pega ocê,
viu!” Ou, a mãe Romirda (Alice, Simone, Ercília) na
hora do desespero pelo sumiço do filho Denirso ( Péricles, Paulinho) e o severo
pai Nerso (Jorge): “o que foi que ele
falô, desimbuche logo!”, a ingenuidade
de Dora: “ele falô ansim que eu tenho miolo mole.” O turco que come criança
(Jerônimo). Os nossos cantadores Chapéu e Jê
do espetáculo Lugar onde o Peixe Para. “Eita nóisssss!!” Como era bom
interpretar o festeiro com a timba, o assobio e o remo, aquele parecido com meu
pai. Inté minha filha Polyana, na época com nove anos, participou nas
brincadeiras das crianças, do Peixe, do grandioso Carlos Abc, que, sensível e
incrível, punha todo mundo na procissão de entrada do Divino: fosse motorista
do ônibus, um ajudante, marido, namorado, um estranho ou um irmão, ninguém
escapava, ah, não!! Não esqueço os bonecos do Elias improvisados, recriados na
Itália por ele. Também tiro o chapéu para o Chapéu, a força de sua enigmática
liderança, sua ousadia e sensibilidade.
Meu
Deus!! Os figurinos e cenários que minha mãe, saudosa Auda, fez e refez com
perfeição. A rotunda redonda do Nonoberto pegava nossa casa e o quintal
inteiro, em comprimento, éramos 4 ou mais para puxá-la.
Simone Cintra, uma das lideranças
fundamental na organização e fortalecimento do grupo, com muito sucesso, aborda
em sua pesquisa de mestrado e doutorado, Unicamp, o processo de montagem de
Nonoberto.
Escolhi alguns, dentre muitos relatos
preciosos inseridos no livro: Luis
Alberto de Abreu “...Não fosse pela alta qualidade dos seus espetáculos, não fosse
pela excelente receptividade do público e mesmo se não fosse pela seriedade e
continuidade de uma longa pesquisa voltada ao seu próprio território, mas com o
foco direcionado ao que o ser humano tem de mais universal e permanente, mesmo
assim o Grupo Andaime teria seu lugar reservado na recente história do teatro
paulista: foi um grupo de pessoas que sonharam criar e consolidaram sua criação
fora do eixo dos grandes centros de acesso à produção cultural. E o fizeram com
conteúdo e qualidade”.
Paulo Faria: “...as discussões, os
choros, os risos, os abraços de conforto, o frio na barriga antes de cada
apresentação, o grito de guerra, os prêmios, as frustrações(...)Mas ter o grupo
Andaime como família é fácil de explicar. Uma família bem estruturada é capaz
de construir a base forte de seus filhos que sempre vão passando para as
próximas gerações. Senti exatamente isso. Muito do que sou como homem,
profissional da arte, etc, vem da estrutura adquirida no grupo Andaime”.
Fechando o livro com chave de ouro, há
um caloroso depoimento da atriz Daniela Scarpari (a Moça do Rio e a Nonna) que
reside na Itália e lá constituiu nova família, seus filhos
italianinhos-brasileirinhos: “(...)como um mago ele (Abreu) me ajudou a
entender a minha própria condição em terra estranha: “minha terra são meus
filhos!” “a nossa comunidade não é essa terra, é algo que é riscado dentro e
vai com a gente aonde a gente for!”. Se não fosse pela minha experiência no
Andaime, se não fosse por Lugar onde o Peixe Para e se não fosse por Nonoberto
Nonemorto, a minha vida de piracicabana na Itália seria muito mais
difícil...Com eles aprendi quem eu sou e de onde venho e o mais importante o
que eu levo comigo!”
Agradeço
e parabenizo a todos os atores e atrizes que compartilharam essa coisa chamada
grupo, se a vida diária não nos aproxima, a arte, sim, poderá fazê-lo.
Agora, levantem os andaimes e vamos à
(re)construção, pois aquilo que é essencial aos olhos e à alma, nunca morre!
Transcende!
(Publicado no Jornal A Tribuna Piracicabana - 24/25 de julho 2013)
Linda reportagem! Encantadoras lembranças de relacionamentos que ficam para sempre gravadas em nossa memória e coração. Parabéns, Luzia!
ResponderExcluirBj. Célia.