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quarta-feira, 25 de julho de 2012

De ponta-cabeça

A casa estava sempre limpa, apesar da areia do quintal em frente à cozinha e da terra roxa ao redor. Assim como as roupas e o asseio do corpo que a mãe fazia questão de inspecionar e orientar. Ao menos uma vez por semana verificava se havia cascão nas orelhas, nas duas orelhas dos cinco filhos e também no umbigo; cuidava da higiene bucal, via se estava na hora de cortar as unhas, se havia “bicho-de-porco” ou “bicho-de-pé”, vulgo “batata”, nos pés. Ai! Como era prazeroso esse ato de carinho da mãe, com sua agulha de costura, em mãos firmes e atenciosas, cavava um buraquinho na pele, contornando “o bicho- de pé” até extraí-lo com destreza e coragem; dava uma coceirinha gostosa e um alívio no local. Outras vezes, era o estrepe no pé de uma, no pé doutro. Aos domingos, ao raiar o dia, a mãe, Dona Nice, pegava os filhos menores, um a um, enchia de água morna a bacia de alumínio, enganchava a criança em seu quadril e lavava a cabeça, geralmente com sabonete ou sabão. Shampoo era coisa para “gente chique”, da cidade. Às vezes, ela completava a limpeza com folha de babosa. Os cabelos ficavam sedosos. Ocorre que, fosse por hábito ou por compreender que este era o único e melhor método de se lavar a cabeça dos pequenos, para evitar que a espuma infiltrasse nos olhinhos, Silvana se sentia incomodada naquela posição desajeitada: cabeça na bacia, pernas entrelaçadas na cintura da mãe e braços agarrados em seu pescoço. Parecia até uma brincadeira, mas a água e a espuma que escorriam em seus olhos e ouvidos era sinal de tortura ou sufocamento natural. Não entendia por que a mãe precisava carregar todo esse peso em seu colo e fazê-lo desse modo tão complicado. Na ora de penteá-los outro “martírio”. Não usavam creme e os puxões com o pente eram inevitáveis. Apesar desse ritual inquietante, o sol de domingo tinha uma cor, um cheiro no ar e uma vida diferente dos outros dias da semana. Mais bonito, alegre e aconchegante. Isso transparecia no rosto de cada membro da família! Era domingo!! Durante a semana os banhos eram supervisionados pelas irmãs maiores, que iam trocando de água ou jogando-a vagarosamente com um jarro sobre o corpo já ensaboado, na bacia maior. Na hora de dormir lavavam somente os pés. -Cuidado com a corrente de vento. Põe logo a roupa e não saiam lá fora dispoi do banho quente, senão pega resfriado!! –Lembra Dona Nice às crianças. Fazia parte da higiene pessoal das crianças a captura de carrapatos e micuim que se proliferavam pelo pasto e pela mata em determinadas épocas, vindo a pular para o corpo quente das crianças e dos animais. Era um Deus nos acuda: todos com dois ou três carrapatos, quando não, inúmeros. Uma coceirinha gostosa e lá ia Dona Nice com um pano embebido em álcool, temperado com ervas ou não, retirando um a um, para alívio dos pequenos. Os que não pegavam o artrópode tinham inveja dos irmãos que recebiam cuidados especiais da mãe. Achavam que micuim era outro tipo de aracnídeo. Somente na cidade, quando adultos, é que tiveram a grande revelação para espanto e decepção: “o micuim é o filhote do carrapato, sabia, mãe? Ou, o carrapato é pai do micuim?!” –Disseram. Ações cotidianas que demonstravam carinho e afeto uns aos outros. Esses momentos de proximidade física com a mãe eram apreciados pelas crianças. -Abra a boca, menina! Língua pra fora, vamos?! Era a voz forte de Dona Nice, impondo com uma colher goela abaixo o remédio. -Não quero! É muito amargo! -É pro seu bem, Silvana! Qué ficá pelando de febre otra veiz? -Ahhhh, hummmm.....Credo! -Óleo de figo de bacalhau eu não tomo! –Adiantou Arlinda, a outra irmã, já se desviando do olhar de sua mãe. Arlinda conseguiu escapulir do tal remédio “que dava ânsia”, Silvana, não. -Viu, foi rápido e você nem sentiu nada. -Dona Nice dizia isso apertando o nariz de Silvana, para que engolisse o remédio e sem sofrer com o acre sabor. Fazia isso sempre que as crianças se negavam a tomar o remédio. Aprendera com sua mãe e tias e se sentia segura em fazê-lo aos filhos, visto atingir o resultado. A matriarca tratava gripes, tosses, dores de barriga, de ouvido, de garganta e disenteria com ervas medicinais da horta ou doutras espalhadas pela mata, como poejo, hortelã, erva doce, broto de goiaba, alho curtido no limão com sal, canela, cravo, agrião. E quando apertava a gripe Dona Nice recorria ao Sr Taufik, um médico espírita, portador de extrema generosidade, que atendia voluntariamente no bairro Sta. Terezinha. Doava xarope, comprimido para lombriga, e ia dizendo: -Estas vitaminas são para as crianças, leve esse para a senhora também, está muito magra e fraca Dona Nice. Precisa tomar fortificante e descansar de vez em quando. -Mas, como, Seu “Tufí”, se eu tenho tanta coisa pra fazer? E o Aléssio, o senhor sabe, anda com dor nas “cadera”, às vezes no estamo e o reumatismo não larga ele. - E assim o sereno homem ia consolando, curando, ensinando e ouvindo as vicissitudes de cada um e aprendendo também. As filas se perdiam de vista, as crianças aproveitavam para brincar. Todos ganhavam um pão com leite quente enquanto aguardavam sua vez no demorado atendimento. Ninguém reclamava. Não possuíam cabedal para a compra de medicamentos. Agradeciam apenas!

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Agradeço a todos que compraram o livro A colecionadora de ovos no site da editora Patuá. Quem desejar lê-lo pode pedir www.editorapatua.com.br, que será entregue em sua casa.