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sexta-feira, 22 de julho de 2011

AS DUAS BARRIGAS



Araraquara. Fevereiro de 1987. Luzia já deixara a república mista onde residia com mais oito estudantes e fora morar com Baltazar em uma casa alugada, de fundos. Pequena, mas aconchegante. Poucos móveis e pouco dinheiro. Parecia que só o amor bastava a ambos. Casaram-se no civil – Luzia não gostava de casamento em igreja da forma como era apresentado, considerava a encenação falsa e hipócrita- “prometem e não cumprem e ainda têm testemunhas oculares da mentira”, dizia ela. Ofereceram uma festa simples para os amigos e familiares. Dona Auda foi quem confeccionou o vestido cor-de-rosa, usado por Luzia. Enfeitou o cabelo com uma rosa natural. Estava bonita, feliz por rever os amigos de outrora e os atuais, compartilhando com eles esse momento de sua nova vida.
  Trabalhou durante toda a sua gravidez numa empresa terceirizada, na função de fiscal da “zona azul”, da Prefeitura; foi o que conseguiu rapidamente, era uma corrida contra o tempo, não poderia ter a criança sem uma segurança da licença maternidade. Passava o dia todo em pé, percorrendo as ruas centrais, anotando as placas dos automóveis sem o dito cartão. Parava somente para ir ao banheiro, em alguma loja. À noite,  faculdade, e só deixou de cursá-la quando do nascimento.
O marido vinha trabalhando temporariamente, ora na função de montador de móveis, ora como jornalista num jornal local, ora como enfermeiro num hospital psiquiátrico. Sua formação acadêmica era suspeita. Luzia não sabia o que podia considerar real e o que era fantasia. Por vias da dúvida confiava no que ele dizia, nos documentos que apresentava – soube depois que também podiam ser falsos – e na experiência e conhecimento, que deveras demonstrava possuir em relação aos cargos almejados. Provavelmente, situação análoga ocorria para com os empregadores. Chegou a mostrar à esposa um documento comprovando ser um ex-agente do extinto SNI, além de formação como jornalista, durante a fase de participação no exército.
Certo dia Raquel vem visitar a outra barriga.
-Veja Luzia, o que eu trouxe para você, ou melhor, para o bebê. - Raquel estendeu suas mãos morenas e macias, portando um macacãozinho amarelo, com desenho de um ramalhete alaranjado na altura do peito.
 -Que lindo! Não precisava se incomodar, mas foi muita gentileza sua. Obrigada!
 -Achei o preço bom e aproveitei comprar pra nós duas. Tem uns “mijõezinhos” bem legais que eu ganhei de minha irmã, a Val, você deve lembrar-se dela. Se quiser, pode ficar com alguns. Estão bem conservados.
-É claro! O que tiver será bem vindo! Fique com esse cobertorzinho que eu ganhei da Silvana. Já tenho dois. Você pode ficar com esse - era um cobertor alegre, verde claro, simples e bonito que Luzia ofertava com carinho, em seu sorriso meigo. -Sua barriga está linda, Raquel! – Completou ela, colocando a mão sobre o ventre da outra.
 O mesmo se pode afirmar da atitude de Raquel: havia uma franqueza e espontaneidade entre ambas.
E assim o tempo foi caminhando, as duas barrigas aumentavam de volume, os bebês se agitando dentro delas, a cumplicidade crescia e aproximava as duas futuras mamães cujas afinidades refletiam o que elas tinham em comum. E não era pouco. O pai duplo, nem sempre estava presente nestas trocas de enxovais, de dúvidas, de receios e de ansiedades. Raquel preferia não vê-lo, tinha lá os seus motivos. Ocasionalmente os três compartilhavam a mesma conversa, mas nada com muita profundidade. Era bonito ver o relacionamento respeitoso que se estabeleceu. Nenhum dos três expressava o que realmente pensava sobre esta delicada situação em que se envolveram, mas sabiam que as crianças que estavam pra nascer mereciam todo o esforço de superação de mágoas ou rancores. As gestantes tinham consciência dessa necessidade. Ele, aparentemente também a tinha; na realidade, não se sabe. Talvez se saiba um dia?

segunda-feira, 11 de julho de 2011

A BARRIGA DA MÃE E A COBRANÇA

Dona Auda era muito persistente no trabalho, fosse qual fosse, sua resistência ao sofrimento e à dor era de impressionar qualquer um. Isto se comprova pelos comentários dos vizinhos quando para lá se mudaram seis anos após o  seu casamento.
-“Tá veno só as cana da Dona Arda? Já cortô mai cana do que tudo nói junto hoje!”, comentou Seu Zuza Bachega, vizinho do casal. “E num dexa soquete pra trais, que é pra mode delas brotá forte dispois”. Referia-se ao toco da cana.
-“Nem fale! Nunca vi muié ansim. Inté parece muié-macho de tanta força”, disse Naléssio, o outro vizinho, que contratara os serviços temporários da família na safra daquele ano, enquanto escorria pela garganta a fresca água do corote.
-Mai quando ela fica prenha, memo com nove meis, vai pras lavora a pé atrai da carroça, acho que é pra mode de não chaquaiá a cria, né, e memo ansim, ela tá sempre trabaiano ao lado do marido, coitada!! Só para pra tê o nenê– Disse Airton desapertando o cordão do chapelão sobre a cabeça, e a lapela.
E assim, os comentários prosseguiam até chegarem aos ouvidos de Dona Auda, que, sem perder a sua humildade, ignorava-os.  
 Dependendo da época era um tipo de serviço. Numa das gestações, com a mão cortada pelo facão, enrolara um pano e, mesmo ferida ela não parava para descansar.
-Todo ano é a mema coisa Nardo- disse a esposa - nóis é que dá o duro, carrega caminhão de cana, leva até a usina e na hora de recebê o dinheiro, cadê o patrão?
-Você tem razão mulher, mas eu não sei mai o que fazê. Já fui lá, já pedi, falei que precisava muito, não teve jeito, voltei de mãos abanano.
-Você não sobe é exigí. Com esse tipo de gente não se pede. Ele é muito forgado, mai nas costa de meus fio é que ele não vai forgá, disse a esposa esfregando as mãos, já nervosa com a situação, ia guardando o canecão do leite caprino.
-Todo mundo aqui trabaiô. As menina sempre pega no pesado, não é justo memo ele querê enganá a gente, retalhou Nardo, desacorçoado, enquanto picava o fumo para o seu cigarro de palha, apoiando o pé num toco velho de árvore, no terreiro, próximo à porta da cozinha.
-Pois eu vou amanhã memo resorvê isso pessoarmente, e aí ele vai com quantos paus se faiz uma canoa, disse resoluta. O esposo calou-se, atitude rara neste homem de 47 anos, que falava o dia todo, desafiando o senso de humor e a tolerância de toda a família e que falaria cada vez mais a partir dessa época. Mas isso é assunto para outro momento...
No dia seguinte, lá estava ela armada com sua sabedoria e com alguns valiosos conhecimentos adquiridos durante a sua vida, e carregando sua filha Luzia de apenas seis anos. Caminharam exatos 5 km até a Colônia da Usina, esperaram o ônibus que as deixaria na Vila Rezende: bairro urbano onde residia o proprietário do sítio. O patrão não quis recebê-la.
-A senhora volte outro dia Dona Auda, disse a patroa, o Luis está muito ocupado hoje, infelizmente..., já ia fechando a porta quando foi interrompida pela meeira.
-Não tem problema, eu vim lá de longe, gastei o pouco dinheiro que tinha com condução, ainda não armoçamo, trabalhamo o ano inteiro na terra, a cana já virou açúcar do café que a senhora toma todos os dia, ou álcool, quem sabe, mas eu espero! - Disse isso, pediu licença, entrou e sentou-se no sofá da sala puxando pela mão a pequena e vergonhosa Luzia.
-A senhora vai se cansar; é melhor voltar outro dia quando ele estiver mais calmo, insistiu a esposa.
-A senhora não me conhece. Pois saiba que daqui não arredo pé, durmo aqui e daqui ninguém me tira. Não vorto pra casa sem o meu pagamento. Meu marido já veio e fizeram ele de tonto. Isso não vai se ripití. Retirou o lencinho bordado com detalhes florais e enxugou o suor do rosto e do colo.
-Então, vou ao menos providenciar alguma coisa para a menina comer, deve estar com fome, coitada. - Saiu contrariada e apressadamente. “Ela até que é uma boa pessoa, sabe filha, mai o quê vamo fazê, né, temo que confiá em Deus e esperá a vontade do home”, Dona Auda colocou a menina no colo procurando acalmá-la.
No final da tarde Dona Auda ainda estava lá, no mesmo lugar, na mesma posição e com a mesma dignidade e sobriedade com que chegara de manhã. Luzia sentada ao seu lado se entretinha com as almofadas.
Seu Luis, percebendo através de sua esposa, que a meeira ainda permanecia em sua sala, com a mesma educação e quietude, achou mais conveniente dar sinal de vida e evitar maiores complicações para ele.
-Boa tarde! Como vai a senhora? - Embaraçado, apertou a mão de Dona Sílvia e a medrosa e úmida mãozinha de Luzia.

domingo, 3 de julho de 2011

Esquete de teatro elaborada no Projeto Plantando Sonhos (Grupo Andaime de Teatro Unimep com a Secretaria Mun. de Educação), escrita e reescrita pelos alunos da 4ª Série C, com a Professora Nívia S. Kruschewsky e eu, a oficineira! Nos idos de 2004. Escola Municipal CAIC Parque Orlanda, Região de Sta Terezinha, em Piracicaba. Bairro periférico. Saudades dessas crianças e de toda a maravilhosa equipe escolar!


A NOSSA LUTA




CENA 1                         BUSCAR  ÁGUA



Som de água caindo. Garoto/chafariz em pé, 5 pessoas em uma fila. A 1ª   enche o balde e sai. A 2ª  começa a encher seus 4 baldes. Os demais se enfurecem. A última da fila explode:
Marta - Minha senhora, da pra ir mais rápido, que eu tenho mais o que fazer?!!
A  outra, Maria, dá de ombros, não se incomodando.
Marta – Pra que tanta água, mulher?
Maria- Não é da sua conta!
Marta  (Indo para cima dela) - Eu ainda tenho que fazer a janta, não posso ficar esperando. Enquanto a outra mulher, Vanda, tenta separar a briga, os dois homens entreolham-se, pegam sorrateiramente os baldes de Maria e saem.
Vanda- Parem já com isso, Marta,   calma...
Chafariz- Chega de baixaria!!!!
Vanda  – Quem está falando? (Asustada).
Chafariz- Ninguém mais pega água aqui!
As três – O chafarizzzz...!!!  (saem correndo).
Chafariz- Quem muito quer, nada tem  (sai).


CENA 2                      A CONSTRUÇÃO DA CASA



Rosária, a irmã mais velha, vai, juntamente com sua irmã Margarete, contratar um pedreiro para a construção de sua casa. Ambas são pobres.
As duas estão de um lado do palco, de perfil, voltadas para a plateia. O  pedreiro e o servente estão na mesma posição, no outro extremo do palco. Elas batem palmas.
Rosária-  Bom dia, meu nome é Rosária e esta é minha irmã Margarete. (Ela estende-lhe a mão). - Gostaria de saber se vocês podem construir a minha casa.
Margarete - É o grande sonho da minha irmã, sabe!
Pedreiro- Ah sim, claro, será um prazer. Sr. Tião, às suas ordens! (estende-lhe a mão).
Servente- Eu sou o Ditinho (cumprimenta-as).  - E quando começamos?
Margarete- Amanhã mesmo, né mana?
Rosária- O preço não subiu não, né?
Pedreiro- Não, não!
Rosária- Aguardamos vocês, então. Este é o nosso endereço. (Ela estende a mão. Ele estende também a dele. Saem).
Entram os dois, bêbados, começam a colocar os tijolos e o cimento com uma colher, cambaleando. O muro sobe. Tião bate no dedo).

Tião- Tem um tijolo aí?  Um martelo?...

 (Ditinho olha de canto)
Ditinho- Vá plantar capim no asfalto!
Levantam-se, cambaleiam e caem. Entram as duas irmãs. Observam o muro torto,  Margarete toca-o e quase cai junto com o muro mal feito. Assustam-se com os dois dormindo.
As duas- Rua para os dois!!!!!
Rosária- Seus tratantes!
Margarete -  Folgados! Que palhaçada, hem??! (Elas os seguram e vão empurrando para fora, resmungando).
Ditinho- Mai eu não tô bêbedo. (Arrota).
Tião- Nóis é pedreiro profissionar! (Saem).
Rosária (Esbravejando)  - A vida é dura pra quem é mole, viu?
Margarete - Mas olha, minha querida, a esperença é a ultima que morre. (Saem. Margarete abraçando e consolando a irmã).


CENA 3                                        A  PONTE



Grupos de pessoas entram cochichando. Param. Olham o rio e a outra margem dele - casas, campos.
Ana- Puxa vida, Clara, queria tanto visitar meus parentes do lado de lá! (Aponta) .
Clara- Ai, eu tambem, viu. Mas sem a ponte...
Tiago- Matias, faz um tempão que eu não vejo a nossa turma!
Matias- Ia dar pra gente jogar uma pelada, não?
Palmira- Menina, eu que não me arrisco a atravessar aí.
Alice- Nem eu, Deus me livre!
Jorge- Só vejo uma solução! Pedir ajuda pro Zé do Bar. Ele é um homem sabido e vai saber o que fazer...
Alfredo e Fredo (dois velhinos) – Falar com as autoridade, o senhor quer dizer?...
Seu Zé aparece na ponta do palco.
Zé do Bar- Olá pessoal. Já sei, já sei...vocês estão querendo uma ponte. É, as notícias correm rápido por aqui. Nós vamos conseguir, mas vai demorar um pouco. (Todos se entreolham, surpresos).
Jorge- Contamos com o senhor, e pode contar com o nosso trabalho...
Zé- Então vamos comigo, juntos seremos notícia. Vamos fazer História! (Saem rindo, abraçados e balbuciando).
(Entram Zé, Jorge e outras 10 pessoas fazendo movimentos – coreografia com a música de Marlui Miranda, nº 04.  Deitam oito pessoas em duas fileiras, formando a ponte. Seu Zé e Seu Jorge martelam a ponta, atravessam a ponte, cumprimentam-se).
Jorge- Valeu, Seu Zé, isso agora é até uma inspiração pra a gente.  (Abraçam-se e saem todos).

                                                                                                                   FIM     

                           

Personagens

Chafariz- Joaquim
Maria- Giulia
Marta- Priscila
Vanda- Joyce
Uma  moça- Jenifer
2  homens- Vinicios e Tiago
Rosária-
Margarete-
Pedreiro Tião- Leandro
Servente Ditinho- Lucas
Seu Jorge- Nilton
Ze do Bar- Maxwell
Alfredo e Fredo- Guilherme e Gustavo
Ana- Tais
Clara- Roneide
Tiago- Mauricio
Palmira- Debora
Matias- Hugo
Alice- Adriele
Pontes- Jenifer,Sabrina, Gedaina, Thais F, Jaqueline, Larissa, Claudimara...


E.M.E.F. Jose Antonio de Souza
-Diretora: Érica Ap. Eugênio Bento
-Coordenadora Pedagógica: Cibele Marim Verdi