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domingo, 4 de novembro de 2012


PASSEIO, OVOS E BORBOLETAS


            Numa das visitas das primas, uma sexta-feira santa, Márcia ajudava sua irmã Lorena a colocar a cela na mula, sobre um “baxero” - pano que protegia a pele do animal-, apertaram a barrigueira, acertaram a corda. Não quiseram fazer uso do bridão, incomodava a boca do animal, este salivava e se inquietava.
            -E a espora, Lorena? –perguntou a prima Larissa.
            -Não precisa! nóis não tem. Munte na Lindóia com a Poly que eu munto com a Isis no Criollo, a pelo mesmo!- Marcia deu um tapinha no traseiro da mula que já saía entre recomendações de tomem cuidado!
-Galope não! -gritou Larissa apavorada, agarrando à cintura de Lorena, sobre o burro.
            -Segura firme, Larissa! Você tem medo até da Lindóia! -gargalhava Poly, ao ver a prima de sua idade, na sua garupa, escorregando da cela da mula mansa, tentando apoiar-se no estribo.
            -Quem chegá primeiro no barranco vermeião vai podê recoiê os ovo do ninho das galinhas – Lorena cutucou levemente o animal com os calcanhares, apressando o Criolo. Em alguns minutos chegavam ao destino.
            -Costa ôpa! –falou Lorena, encostando o animal no barranco. Saltou, ajudou a prima a descer e o atou a um toco seco, permeado de fartas touceiras de capim gordura.
            -Quieta! Xiiiuuu! -pediu Larissa, em vão, querendo se comunicar com a mula. Isis repuxou a rédea com a mão esquerda, enquanto, com o corpo inclinado à frente, a direita tocava o lombo e a crina aparada. Lindóia imobilizou-se e puderam descer. Amarrou a corda com um laço preso a um alto, fino e cheiroso eucalipto.
            -Olha só, que lindas! –Isis extasia-se com um par de borboletas pequenas fazendo malabarismos em ziguezague.
            -Estas estão quase sempre em duas, explicou Lorena, mas...vejam que baita borboletona ali no tronco do calipto. É cinzenta da mesma cor da casca da arvre.
            -É pra disfarçar, assim ninguém as encontra. Definiu Isis.
            -A natureza é sabida mesmo!! – confirmou Lorena.
            -Tem uma preta com uma mancha amarela, ali, olhem, que bitela!- mostrou Larissa, correndo atrás dela. –Olha lá, ali, ali!!!
            -Não pegue nela, que o pozinho das asa tem veneno pros óio!! –falou .
            As meninas se concentraram na tarefa: achar os ninhos onde as duas galinhas “peregrinas” estariam botando há alguns dias. Foram adentrando a reserva de mato, passaram por um capão, adiante algumas moitas dispersas cogitavam a presença de algum ninho. Lorena afastou os arbustos com as mãos e lá estavam eles: cinco ovos, dois deles rajados em marrom e três brancos, cuja dona já tencionava chocá-los, mas no momento saíra para se alimentar. Poly estendeu a cestinha de bambu e deixaram para as primas o prazer em recolhê-los.
            -Outro! Achei outro! -grita Isis, atônita.
            -Onde? –quis saber Lorena. – Ah, sua boba, não é nada. Isso é ovo de codorna ou de nambu, que adoram fazê ninho no chão.
            Andaram mais um pouco e encontraram o ninho; a prima grita, balançando o dedo:
            –Aqui, aqui!Tem um, dois, seis, oito!! Tudo vermelho! Não!!! Quer dizer, tem dois que é, que é ....azullll!! Nossa!!! Que legal!!!!
            -Como pode ser isso? -indaga a prima, pegando um na mão e o levando às narinas.
            -Não sei. Só sei que de vez em quando elas botam bonito, sabe?! -responde Lorena.
            -Vamos catá eles antes que a Preta vorte! Ainda bem que ela ainda não ta choca...Calou-se ao ouvir um co cócó, có  levemente rouco. Olhou para trás e observou a galinha que retornava aos futuros filhotes.
            -Que que foi Lo? -indagou Larissa, sem entender nada.
            -É, é dela o ninho, e já ficou choca! - esclareceu Poly, afastando-se.
            -Não ponha a mão neles! -gritou Lorena à prima Isis, que permanecia agachada junto ao ninho. –Já começô a chocá. Bem que a mãe desconfiava do jeitão da Preta.
            -Mas e agora? -pergunta a prima.
            -Dexa eles aí! Os ovo tão galado.
            -O que é isso?
            -O galo Alarico cruzou os ovo drento da galinha e daqui a.......dias vai nascê uma ninhada de pintinho. -Explicou Lorena.
            -Oito! -completou Poly.
            -É, mai agora dexem ela aí e vamo vê se tem ninho da Carijó e da Galega lá praquelas bandas, que elas não tão mai botano no paiol.
            -Lalá, ocê tá cheia de picão!  Ah ah ah !-Poly ria da menina cuja calça estava lotada de semente preta e fina. Ajudou a retirar um a um.
            -E oceis tão tudo com carrapicho. Pinica a mão, viu?! –fala Lorena, levantando a barra da calça para extraí-los. 
            Chegaram a casa exaustas, depois do banho no rio foram escolher o feijão na bacia, o arroz na mesa. Isis ficou fascinada pela destreza da tia Silvia abanando o feijão em uma grande peneira. Seus olhinhos acompanhavam o sobe e desce dos grãos, cuja palha ia caindo ao chão, permanecendo na peneira o feijão limpo, sem derrubar o feijão junto com a palha que “voava”. Tal era a agilidade do movimento que mal dava para perceber a existência dos grãos. Sua vista ficou embaçada e pediu à tia se podia fazer também. A resposta foi um não bem taxativo. Dona Silvia não pretendia perder todo o feijão colhido. A menina não insistiu. Palavra de tia não se volta atrás. Se bem que as suas filhas sabiam tranquilamente peneirar os alimentos desta maneira eficiente.
            -Lavem bem as mãos com sabão, pra janta. Tem água no barde ali fora, falou Dona Silvia, e disse também a Poly:
            -Poly, limpe este narótio, vamos?! –O nariz da menina desprendia o catarro, enquanto o cachorrinho Lulu abanava o rabo, tentando afastar-se das moscas inoportunas.          Marcia as amaldiçoava:
            –Saiam de mim!!!
            Na manhã seguinte, como já era costumeiro, acordaram de madrugada. Mas neste dia em especial, “quem ficar por último é mulher do padre”, um correndo mais que o outro para chegar ao rio e lavar os olhos. Só os olhos! A água ficava gélida nesta época do ano e a ordem primordial era “Junior, Larissa e Isis, lavem bem os zóio pra vocês terem boa visão pro resto da vida”.
             Dona Silvia foi orientando os sobrinhos na sua religiosidade e fé. Era sábado de Aleluia! E era costume lavar os olhos na água fria do rio antes de iniciar qualquer atividade neste dia. Superstição ou não, isso “garantia” uma boa saúde aos olhos das crianças, além de lhes propiciar um clima de curiosidade e magia contagiantes.
            -Mas se der dordóio é só pingar leite no olho, não é? -comentou a tia Ana ainda na cozinha.
            -Ah sim, é um santo remédio! -fala Dona Silvia espreguiçando-se.
            -Lave a fuça toda, Isis! pra se acorda! – Marcia alerta a prima que, com as pontas dos dedos lavava exclusivamente o canto dos olhos, com os pés fincados no saibro do barranco, à margem do riacho.
            -Mas tá muito gelada.Ui! –explica a menina sem pestanejar. –Sua mãe falou “os zóio!”. Atchim!!!
            -Saúde! -riram todos e começaram a jogar água para o alto. Correram à casa para se aquecer, brincando de pega-pega.
            -Figuinha! -Teca cruzou os dedos da mão direita, pedindo uma pausa na corrida. Parou para apreciar um pica-pau furando o velho ipê roxo. 
            Passaram pela porta da cozinha: Larissa sentada numa cadeirinha improvisada – Lorena e Isis com os braços entrelaçados transportavam a menina-, enquanto Marcia e Junior faziam o mesmo com Poly.  
            -Venham ver! Venha ver, mãe! Eu estou alta! –Larissa chama a mãe e a tia.
             -Não façam banzé! -lembra Dona Silvia.