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sábado, 25 de fevereiro de 2012

NO COMÉRCIO NÃO DÁ!



            Aos 16 anos, Anaí foi trabalhar no comércio. Ano de 1984.

            - Abra logo esta carta, mulher! O que aquela fora do ar escreveu aí?  - O senhor Júlio, jovem ainda em seus 30 anos, era o proprietário de uma casa de frios, patrão de Anaí por apenas 40 dias. Tempo demais para lhe deixar traumas que demorariam a serem superados. Ele, um homem ríspido, autoritário e extremamente rude e reacionário, pegou a carta das mãos da esposa, uma pessoa delicada e destoante com a figura prepotente do marido. O semblante dele foi se alterando. O rosto comumente avermelhado apimentou-se como a malagueta madura. Seus olhos claros crisparam-se, disparando centelhas de fogo. Suas mãos tremiam de raiva descontrolada.

            O que estaria fincado naquele simples papel para proporcionar tamanha reação? Era um afrontamento de Anaí. Aquele homem de porte altivo, bem feito de corpo, bumbum torneado, peitos e ombros fortes, de sorriso amarelo mesmo com os dentes bem feitos, de intelecto razoável e orgulhoso, quase chorou ao ler “o senhor necessita fazer um curso para capacitação humana, de modo que possa aprender a lidar com as pessoas, a se relacionar educadamente com os funcionários e com todos que o cercam. Seu lucro vai aumentar e a sua qualidade de vida também”.

            -Aquela magrela petulante?!! Mas que audácia!!!! Quem ela pensa que é??! Vai ver só com quantos paus se faz uma canoa! - A esposa correu buscar um copo d’água para acalmá-lo. – Sua voz enrouquecia na medida em que lia “não é justo e tampouco inteligente tratar os meninos de 13 anos como um Zé ninguém, obrigando-os a subirem as escadas com aquelas caixas pesadas nas costas. Já percebeu que o Lico está andando meio curvado? E por que humilhar a eles e a nós balconistas, falando-nos com estupidez na frente dos clientes e gritando com frequência  “burraaaaa!!!”. E os nossos salários que não chegam nem ao mínimo e cada uma recebe um valor diferenciado  pelo mesmo trabalho!?!  Põe amor em seu coração e será mais feliz. ....”

            Naquela tarde, quando Anaí apareceu para fazer o acerto de contas, já que pedira demissão, encontrou-o em idêntica situação descrita acima. Impetuosamente voou em direção à ela. A esposa interpôs-se entre ambos, impedindo o marido de agredir a ex-funcionária. Os cabelos dele, ruivos e lisos, quase se encresparam. Anaí não se moveu. Temia algumas coisas na vida, como espíritos perdidos e gente falsa, mas nestas situações não havia temor em seus olhos, pelo contrário, sua coragem e ousadia ampliavam-se inexplicavelmente. Aferiu o pagamento recebido. Mudez. Saiu.

            Quis procurar um advogado e iniciar um processo reivindicando seus direitos. O patrão não a registrara, fato comum a vários funcionários, e mais outras irregularidades. Sim, havia motivos para um processo judicial, pensou. Comentou a sua intenção com a mãe, conversaram e decidiram esquecer. – Quer dizer que o homem vai continuar aprontando com o próximo??!! Quem serão as próximas vítimas? – E completou, já mais conformada : - Tudo bem, aqui se faz aqui se paga! Quem com ferro fere, com ferro será ferido! Quem muito quer nada tem! “Aquele cheiro de frios, salame, azeite, nozes, ficou instalado em minhas narinas. Dá azia nas lembranças.” “Quer presunto ou apresuntado, madame?!  A senhora quer esta marca de mussarela, aquela ou aquel’outra?!” – Anaí imitava a própria voz e a dos clientes. “-Há tantas opções de mussarelas, e ainda por cima sem rótulo, como eu poderia identificar uma a uma? ...pra mim são todas iguais!!”

            Passara por outras humilhações quando trabalhou numa lojinha de bijuterias, em contrato de fim de ano. O dono obrigava as funcionárias a limparem o imundo banheiro sem material decente e quando algum moleque adentrava a loja sorrateiramente e roubava elásticos de mínimos centavos, ele se punha a praguejar imperativo:

            -Cata ele! Anaí, Flavia! Corram suas lerdezas e não deixem ele escapar!!Falava com sotaque - Meu dinheiro é que vai pro lixo! Anda, anda!!! – E lá se iam as meninas a correrem pela rua atrás do fujão. Anaí não aceitava estas e outras atitudes rudes que a expunha frente aos clientes. Realizaram confraternização com “amigo secreto” no final do ano. Retirou o nome da esposa do comerciante e a presenteou com um LP com frases de Mahatma Gandhi. “Que amigos uma ova!!” Deu graças a Deus quando findaram as vendas de natal e ela não foi convidada a continuar.

           












domingo, 12 de fevereiro de 2012

Hoje estou divulgando a feirinha
 do Zé Roberto e do Rinaldi
Lá os orgânicos fartam
não faltam as verduras, os legumes
as frutas, que maravilha!
Todo sábado em frente ao Mello Moraes
Na Rua São João, é perto, uai!
Gente boa
bom alimento
aliado ao bom atendimento
das 5 às 11 horas
Os orgânicos lá estão
preço maneiro de bom.
Tem até tefefone
você pode encomendar
eles dão um jeitinho
e vão entregar
3495 3112 (19) e 8152 9595

Também quero divulgar a Karla Khristofoletti
nutricionista
pra quem é vegetariano
pra quem gosta de saúde farta
e pra qualquer um...
ela é competente
fofa demais
inteligente!
Atende na  João Sampaio
telefones do consultório:
3422 8160 e 8128 7821
tem até blog
karla-personaldiet.blogspot.com
Vamos aproveitar, minha gente!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Água Sanitária


Além de vizinhos tornaram-se formidáveis amigos.  André, parceiro de Ercília, e Ivo, mais próximo à Carmem, que era irmã de Ercília. Amizade franca nas brincadeiras e nos estudos. Carmem o ajudava no inglês e nos dias de prova um “tomava matéria do outro”. Iam juntos à escola. Um dia, Carmem, de doze anos, quatro a mais que Ercília, estava lavando roupa quando esta, junto a André, começou a fazer provocações em cima do muro que divisava o quintal de ambos. Algumas pequenas peças claras permaneciam de molho num balde com água sanitária. Uma palavra torta, uma chacota e lá se foi o balde com água em direção à Ercília e a André, vindo das mãos de Carmem. “Não gosto de gracinhas”, pontuou a irmã enfurecida. A camiseta do menino, antes azul, agora branca. Manchada pois parcialmente descolorida. O irmão mais velho de André, o Ivo da mesma idade de Carmem, correu acudir. “Carmem!” Gritou ele do outro lado do muro, “da próxima vez vê se acerta em cheio que é pra branquear a camiseta toda!”  Ainda não estava na moda roupa manchada. Nem isso estragou a amizade dos dois irmãos com as duas irmãs. No final das contas, Ivo e Carmem, Ercília e André casaram-se.


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

BANHO DE MARGARINA



-Ô maninha! Quantas vezes você já tomou banho de detergente? –Júlia pergunta à Lidia, que chegara da faculdade com o velho caderno, um livro de Hobsbawm, um de Morin, de Thoreau e “Os excluídos da história: mulheres, operários e prisioneiros”, de Michelle Perrot.

-Ué! Por quê? Não me diga que acabou o sabonete?!! Meu dinheiro tá curto e eu só recebo na 2ª feira...- colocou os materiais escolares no sofá da sala e foi se dirigindo ao seu quarto, onde a filha já dormia.

-Não é isso!- Atalhou sorrindo, Júlia. - Acontece que a sua filha, a minha sobrinha querida, precisou de um trato diferente hoje. Você acredita que enquanto eu dormia ela subiu na mesa e se lambuzou todinha com a margarina?

-Ô louco! Como foi acontecer isso? Coitada, Ju! Abriu a porta, abaixou-se à cama e beijou a face morena da menina, acarinhando com a mão direita seus cabelos escuros encaracolados, umedecidos pelo suor do verão. Ela adorava os cachos da filha e vivia fazendo permanente nos seus. Com a esquerda enxugava o suor que descia pelo pescocinho macio. Sustinha uma respiração leve e harmoniosa. Sentiu-se enormemente feliz em ver a sua garotinha segura e em paz.

-Eu não tive culpa! -Defendeu-se Júlia.

-Fale baixo!! Vai acordar a menina!!- Encostou a porta do quarto e foi para a cozinha jantar, como era de costume, às 23h30. –Se bem que eu gostaria de vê-la acordada! 

– Ela acordou bem cedo, antes de mim, e foi fazer arte. -Júlia seguia Lídia e acomodou-se na cadeira da cozinha. -Se você visse a cara e o cabelo dela, é até engraçado. Tinha gordura nos braços, na roupa e até nos pezinhos.-  ria com naturalidade.

-Ai meu Deus...! Não brinque!! –Disse Lídia.

-Aí eu a coloquei sob o chuveiro e o sabonete não dava conta de eliminar aquele ranço. Apelei para o detergente. Não sabia o que seria pior: ele ou sabão em pó. Mas deu certo e ela ficou limpinha, limpinha.

-Brilhando, você quer dizer! Ainda bem que não passou esponja de aço na menina. – Brincou Lídia. E ela não chorou?

-Que nada. Só ficou um pouco assustada com o meu susto, mas manteve-se quietinha enquanto tomava banho e até deu umas risadas.

-Chorou para sair, já sei. Quer comer feijão com farinha e ovo mexido? –Luzia ofereceu o prato à irmã. - É o que tem e eu gosto disso.

-Eu também, mas já comi, obrigada; olha, tem tomate na geladeira. -Enfatizou Júlia: - nem me fale!! Toda vez que tenho que tirá-la da banheira ou do chuveiro, ela chora. Resmunga para entrar e depois não quer sair. -Júlia foi se levantando para guardar os objetos da mesa.

-É assim mesmo. Já conversei com ela sobre isso, parece que entendeu. – disse enquanto mastigava vagarosamente o alimento.

-Mas não cumpre, Lidia! Apesar de que, eu não posso reclamar, até que ela se comporta bem, é um anjinho. Mas eu não dou moleza .

-Obrigada, Júlia! – Mas sabe que eu sonho ter um abajur para a cama dela!- Suspira Lidia. Ouviram um barulhinho. Olharam para trás e, na porta da cozinha a pequena Polyana coçava os olhinhos inchados de dormir, com as costas das mãos, carinha de sono, alguns cachos de cabelo despenteados. Foi até a mãe. Esta a abraçou colocando-a em seu colo. Despertou. Começou a contar como foi o dia na escolinha. Vixi!! acabou o sono!



- Caros leitores e leitoras! Saiu o 3º livro do Camilo Irineu Quartarollo, CONTO FICCIONAL AS CILADAS DO ANDROIDE. Texto criativo e bem trabalhado, nos seduz e nos conduz... Confiram!!

      "O livro versa sobre o antagonismo ou competição entre o humano e a máquina. Entre o universo descontínuo das opções humanas e as opções programáticas da linguagem de sistema. Dois momentos importantes dentro da obra, duas vacinas, ao primeiro androide, T1 sobre o pensar e a vacina ao T10 sobre a emoção, reação à poesia. O livro é uma crítica à desumanização, ao utilitário, ao objetivo sem objetivos, à massificação do “moderno” e da expressão pura e simples de um Falar, como o dialeto caipira. Em suma, o livro, além de versar sobre essa relação atual entre máquina/homem, fala sobre vícios humanos na relação entre humanos, regras programadas de comportamento (o androide acessa a Teoria do Medalhão de Machado de Assis para conviver com as pessoas."


domingo, 8 de janeiro de 2012

Janela Fechada

Janela aberta, cortina fechada
Janela aberta, cortina aberta
Eis a vazão da liberdade!
Poder olhar para fora
E, se a paisagem for boa,
Quantas sensações!

Janela fechada ou cortina fechada
Conforme a situação, é proteção
Real ou imaginária!

Fogão à lenha
Brasa estalando
Panela pesada
Lá cozinhando
Pode ser romântico
Ou nostálgico.
Para a cozinheira
No mínimo
É dor no ombro
Cansaço

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Mais um ano se passou
a cada segundo um movimento
dirigimo-nos ao momento de nossa morte
Então, aproveitemos o presente
cada instante pulsante
cada inspiração e expiração
que a vida nos inspira
até expirarmos.
    BOAS ENERGIAS E FORÇA DIVINA EM 2012
                        A TODOS VOCÊS

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Conto Torradas não se despedaçam, menção honrosa no 2º Concurso Lit. Nac. Prêmio Buriti Cronicontos - 2011. Foi o meu primeiro conto, escrito em 2010.

Compartilho com vocês, com muito carinho, esse simples conto
                TORRADAS NÃO SE DESPEDAÇAM
- Homero, me desculpe, mas é a quarta vez que deixo a minha toalha dobrada na cama pra tomar banho e você a guarda na gaveta. É de irritar, sabia?
            - Fica feia aí, sobre a colcha.
            - A colcha azul perfeitamente estendida, sem vincos! - fala enquanto abre a gaveta, pega a toalha, joga nas costas e dirige-se ao banheiro. Homero puxa e retoma a toalha, a recoloca dobrada  sobre a cama sem ser impedido a tempo.  “Pronto! no mesmo lugar!”
            - Mas que prática! você poderia ser camareira, meu bem! dê-me aqui, disse, pegando novamente a toalha e entrando rápido no chuveiro, não sem antes virar o pescoço para trás, à esquerda, com os olhos mais aquosos, mais vivos do que nunca:
- Seu perfeccionista de uma figa!!
            Conhecia Homero há dois anos, todavia sabia tão pouco.
            Este se sentou à cama macia, cabeça solta entre as grandes mãos em concha, cotovelos nas pernas retesadas. A torrada intacta. Tinha de estar intacta. Viu-se menino, o pai sentado à mesa; ele ao seu lado, consertando a torrada partida ao passar geleia de amora. - Perdem-se os restolhos e fica torta, feia, fedelho! Perdem-se os restolhos e fica torta, feia! O menino comeu rapidamente os pedaços, temendo que a segunda torrada quebrasse enfiou-a na boca em dois bocados sem a geleia.  Assim eram todas as manhãs e ao chá da tarde. A mãe provavelmente não aprovasse a atitude do pai... Olhou ela de canto para o filho, encostada na porta da copa, tão leve, tão mansinha que parecia invisível a si mesma. Assim era mamãe, murmurou Homero.          
- O que disse, querido? saindo do banheiro, retirando os últimos pingos  de seu peito de pelos salientes. Põe a camisa azul de cetim e calça clara que delineavam bem o belo corpo, aguarda uma resposta em vão. Homero silenciara como sempre, levanta-se, vai à cozinha do apartamento, convida:
            - Vamos tomar um café, Afonso?
            - Pode ser. - Ajeita o cabelo ao espelho "ainda estou bonito"! Vivia com Homero há alguns meses. Apreciava o seu jeito diferente. Acariciou o cabelo de Homero  sentando-se na banqueta à mesa. Beliscou alguns biscoitos e um pedaço de bolo de laranja que fizera no dia anterior.
 - Muito bom o seu café! - Tomou-o aos goles, olhou para Homero, que, distraidamente procurava juntar as três partes da bolacha salgada que se quebrara, no pratinho azul à frente.
            -Quer que o ajude? diz Afonso, levantando-se embaraçado. -Vou fazer um ovo mexido!! - Pega o ovo, mira a pia para quebrá-lo, mas sustém o próprio braço que se erguia, impedido por um grito:
- Nãoo!! Cuidado! Não o bata, vai estragar a casca! É melhor cozinhá-lo.
Afonso, amuado e sem entender quase nada, larga-o lentamente na pia, dentro de uma xícara sem cabo, vai ao quarto, deita-se a meditar e refrescar as ideias que insistiam em voltar. Aquilo não dava mais, era vingança ou neurose? Seu companheiro jamais expunha seus sentimentos, exceto em pequenos gestos. Olhou a mochila - sua mala fora emprestada - fechou os olhos, enquanto Homero se aproximava com uma suave manta desdobrando-a bem esticadinha, cobriu o corpo de Afonso, como a de um menino.