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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

VISITA DEFINITIVA

Princesa dorme agora, sonhando com uma nova companhia que chegará em breve. Esta companhia sou Eu! Afinal são 11 anos em que ela monopoliza o território do quintal e quase da casa toda. Espaços estes conquistados pouco a pouco, no decorrer dos anos, na casa da família Silva.
Cheguei num domingo de muito sol, tímida e medrosa. Os dois seres estranhos que me adotaram parecem gostar de mim, afinal me escolheram entre centenas, cuidados pelo pessoal de uma generosa Ong. Deram-me um nome curto: Bele! Gostei! Encontrei a cadelinha deles, a Princesa, já na entrada, no portão da Ong. Levaram-na junto para que nos conhecêssemos fora do território dela, acaso rolasse algum desentendimento ou ciúmes de sua parte.
A mulher magrela passava as tardes junto a nós, no espaçoso quintal, fazendo brincadeiras para nos aproximar. Jogava um brinquedinho para a veterana poodle e uma bolinha para mim, primeiro na direção oposta depois na mesma direção. Corríamos, enquanto a minha nova amiguinha pegava o bibelô e o segurava nos dentes, eu pegava a bolinha e levava para a mulher. Na hora de apanhar a bolinha minhas pernas pareciam desengonçadas e eu demorava a pegá-la. Ai senhor meu Deus!Ela fica correndo atrás daquela garrafa pet verde, arrasta pra lá e pra cá, joga pra cima, pressiona-a no muro e a levanta com o focinho. Aí quando aparece a mulher para chutar a garrafa com ela, vixe, a barulheira aumenta, pelo amor!! Não vejo graça nisto.
Acabo de passar por uma cirurgia. É para não ter mais filhos, apesar da minha pouca idade. Deixei minha cria na Ong. Os três. Desmamaram e o pessoal de lá já tomou providências pra que não pegasse mais filhos. Judia muito da gente e não tem como criá-los com dignidade.
Agora, no meu novo lar, faço de tudo para conquistar o carinho do casal e o respeito da podoodlelzinha. Nos primeiros dias, minha perna tremia só em me aproximar dela ou de seus dois cochinhos, coloridos e asseados. Eu pegava dois grãos de ração e corria me esconder na casinha, a comê-los. Temia que outros cachorros, invisíveis, devorassem tudo, a me deixar na mão, quer dizer, na pata. Depois de algumas rosnadas, mostrando aqueles dentes e uma cara feia, Princesa passou a se aproximar de mim no intuito de me cheirar e me conhecer melhor. Cedi e também a cheirei.
Ela gira ao próprio rabo, mas não o alcança. Pobre cachorra! É a centésima vez que tenta, sem êxito.

 

Disputei a casinha de madeira com a poodle. Troquei várias vezes de casa. Durante o dia eu ficava na nova, comprada para mim, mais espaçosa e fresca, de material reciclável; à noite preferia a de madeira, mais aconchegante. E assim, trocamos de casa, eu e ela. Nada mal para um novo membro da família!
Eu quase não latia, mas em poucos dias minha voz foi se soltando e já podia acompanhar a Princesa nos latidos. Cheguei até a uivar, num certo dia. Fiquei maravilhada com a minha capacidade e coragem. Logo, o homem e a mulher, ela chefe da matilha, me ensinaram a não latir o tempo todo, inutilmente. Tinha que maneirar, afinal, os vizinhos poderiam fazer uma reclamação da minha recente presença naquela rua. E eu não suportaria voltar a ser vira-lata, sem lar.
Ensinaram-me a “dar a patinha” como já fazia, com glamour, a Princesa. Chegou a hora do banho. Não aprovei muito, mas relaxei. As mãos humanas deslizavam pela minha cútis. Uma sensação muito boa de carinho e afeto. Afinal, a outra tomava seu banho semanal sem reclamar e ainda tinha que aceitar a escovação de seus pelos crespos que teimavam em se enrolar, principalmente nas orelhas. Ui! Que dor! Sorte que os meus pelos são lisos. Quer saber a cor? Caramelo! Meus olhos amendoados passaram a olhar compenetradamente nos olhos de mel da humana. Eu os fixava e sentia uma vibração boa pulsar dentro dela. Ela desviava a visão para, em seguida, fixar nos meus. Assim ficávamos por minutos, sem falar ou latir. Sensacional.
A mulher cuida bem da gente. Já me levou pra receber a segunda dose da vacina. Foi só uma picadinha...Ui! Sei que é pro meu bem, pelo menos foi isso o que ela me explicou, antes da pontada! Em casa, ela escova nossos dentes, pastinha até que saborosa!
Minha companheirinha é bem sentimental, mas acho que eu também sou. Quando os Silva se preparam para sair, ela vira as costas pra porta da cozinha, fica séria olhando para a parede do muro; pode oferecer ossinho ou chamá-la que, não adianta, ela se melindra; não olha pra trás. Nem se mexe. Se fosse uma humana, diria que ela é um cocô!
Já no início, comecei a fazer coco no local mais adequado: alguns jornais estendidos no canto do quintal, atrás de alguns grandes e belos vasos de flores perfumadas. Isso, de imediato, agradou à magrela e ao marido dela, este que, com o tempo foi me conquistando e eu a ele; porém, não de cara. Permitia que desse umas lambidas rápidas em suas mãos ou pés. Ou seria porque não dava tempo dele escapar de minha ágil língua?! Sei lá. Subia no colo da mulher. Só sei que tudo caminhava bem – até a Princesa passou a me convidar para brincar de pega-pega e esconde-esconde, sendo que no primeiro convite que lhe fiz, ela recusara, agora subia em minhas costas e me provocava ou convocava a correr; eu a enganava, quebrando a corrida e meia volta, retornava correndo, às vezes em roda -. Porém, um costume meu, uma mania eu diria, deixou meus novos amigos de queixos e focinho caídos. Todo e qualquer acolchoado, na ausência deste, qualquer tapete ou paninho, eu puxava ao fundo do quintal, deixando a poodle com a casinha no chão duro de madeira.
Fiz isso depois de uma semana nesta nova casa. Juntava os brinquedinhos aos panos. Mordia os acolchoados revestidos de borracha que forravam as duas casinhas, até que a magrela, simpática como ela só, docilmente recolheu-os deixando só dois panos finos. Minha companheirinha, da qual brigamos uma só vez, preferiu se omitir nestas ocasiões, porém o homem e a mulher procuraram várias explicações, nenhuma plausível. “É uma franciscana, querida, só pode ser!”, dizia o homem, olhando-me torto. Sabia eu que, não estando nós no inverno, pra que colchão?
  

Um comentário:

  1. Luzia - que lindo !! me emocionei muito - adorei a matéria e a história com a querida belinha !! Obrigada por vc faze-la tão feliz e amada !!! Beijos !!!!
    O seu blog é muito legal !!!! Parabéns !!!

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