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quinta-feira, 4 de agosto de 2011

PRINCESA

               Em novembro de 1999 entra uma nova componente na família: Princesa. Fazia anos que Poliana vinha pedindo à mãe um ou uma cachorrinha. Esbarrava na aceitação ou não da avó. Dona Auda não gostava da ideia de conviver com um bicho em sua casa. E quem limparia as fezes? Levaria para passear? E os latidos então? Como impedi-los? Luzia considerou todos os argumentos e concluiu ser importante para a menina o contato com algum animalzinho, haja vista terem ficado sem os coelhos. Teria de enfrentar uma batalha com a mãe e convencê-la a aceitar tal ideia. Eis uma tarefa árdua. Luzia começou aos poucos, mês a mês falando das vantagens e da simbologia da mascote para a neta e para a família.
Conversou claramente com a filha sobre os cuidados e responsabilidades que teria com a cachorra. Não a deixaria latir muito, seria treinada a não estragar as coisas e, entrar em casa “nem pensar!”
-Nada de animais andando pela casa. Isso é falta de higiene- Pensava Luzia.- Pesquisou a melhor raça, ou seja, aquela que não soltava pelo, não fosse agressiva, tampouco de grande porte. Tinha pavor de cães grandes e bravios. Optou-se pela poodle.  -As fêmeas são mais limpas, li numa reportagem. –Explicou Luzia, com a total concordância da filha.
            -Gosto da cor caramelo, mãe. -Opinou Poliana.
            -É bonita mesmo. A cor preta também me apetece.
            - Tem um brilho lindo, só que daí não dá para ver se tem carrapato ou pulga. -Lembrou Poliana.
            -É verdade!
            Não conseguiu uma de tonalidade caramelo, veio uma branquinha que foi logo aceita, e Dona Auda, meio contrariada, algum tempo depois, também foi conquistada pela graça e doçura do bichinho.
 Nas primeiras noites de lua cheia, Luzia levantou-se inúmeras vezes para acalmar a filhote, que só fazia chorar e dava uns latidinhos ainda desafinados. Seu quarto localizava-se ao lado da cozinha, rente ao quintal. A cachorra, em sua casinha de madeira pintada por Poliana, com florzinhas vermelhas e brancas, dividia o espaço com as jabuticabeiras e flores. 
De madrugada Luzia pulava sua janela e ia ter com ela: acariciava-a, punha–a de volta na sua confortável residência e, quando ela se aquietava, Luzia podia voltar a dormir, não muito sossegada. Dali a algum tempo o choro da recém- nascida despertava-a novamente. Ralhava com ela, explicava a situação, dava bronca falando duro, dava tchau e voltava para a cama. Isso costumava dar certo: a cachorra sossegava. Agora ela era a avó da cachorra e fazia qualquer sacrifício pra cumprir o combinado com a mãe. Não queria despertar o seu leve sono. Sabia que ela sofria às vezes de insônia e que os latidos estridentes a acordariam facilmente.
 Os saltos pela janela se repetiram até que Princesa se acostumou com o ritmo da casa. Não era nenhum castelo, mas tampouco a frieza da rua. Tornaria o seu novo lar, repleto de amor e carinho por ela, vice-versa. Depois, Poliana deixava a cachorrinha dormir em seu quarto, às escondidas, fazia-a entrar pela janela.
            -Não gosto de contato com cachorros, mas também não acho certo estas pessoas que arrumam um animal e depois só judiam dele. Se o tem, devem cuidar bem, sem maltratar. Mas cadê a Princesa? -Quis saber Dona Auda.
            -Não a vi. Não está deitada na garagem? Ela gosta de ficar lá, espiando a rua pela fresta do portão.
            -Já olhei, não tá lá. Poliana, você viu a Princesa? Ela sumiu, falou à neta que chegava da escola com seu belo fichário preto e amarelo, procurando de novo sob sua cama.
            -De manhã eu a flagrei tentando subir naquela árvore que fica dentro do cercado. Parecia uma macaquinha branquela .-Explicou Poliana. - Foi até ao alto. Peguei e a pus no chão.
            -Nunca vi cachorro trepar em árvore, e ainda mais filhote, disse a avó, percorrendo os olhos pelo quintal.
            -Será que ela fugiu? Mas por onde?-Indagou Luzia. -Está tudo fechado. -Entreolharam-se e levantaram-se rapidamente. Correram pelo corredor interno e abriram a porta da sala. Lá estava ela! Deitada em frente ao portãozinho cinza da varanda à espera que alguém a pusesse para dentro.
            -Como ela veio parar aqui? Admirou-se Poliana, carinhosamente carregando-a no colo. Deu um beijo nos pelos arrepiados, finos e macios da sua cabeça dela. –Acabei de entrar e não a vi!?!   
            -Gente! Só pode ter sido pela árvore, exclamou Luzia, ainda confusa.
            -Quer dizer que ela escalou pelos galhos, chegou até o muro, caiu do lado do vizinho e...-Falou vacilante, Dona Auda.
            -Ganhou a rua na maior cara de pau, vó.
            -Não acredito! Como ela fez isso? E nem se machucou... -Disse Luzia, rindo sem parar.
            -E olha que o muro é alto!!

-Nem me fale! É verdade mesmo, mãe! Quer dizer que temos uma cachorra-macaca aqui em casa! –A avó achou muito interessante, mas teriam de evitar que isso se repetisse. -Pode se machucar se fizer de novo. Que danadinha! –Considerou.
            Numa outra ocasião o fato se repetiu. Os vizinhos haviam saído. A vó, sozinha em casa, ouviu um chorinho na calçada. Foi até lá e a Princesa estava entalada no portão. Tentou entrar mas não conseguiu passar pelas grades. Foi preciso chamar o rapaz do supermercado em frente para contorcer o corpo dela e retirá-la de lá.  –Essa cachorra só me prega peças!
Poucos meses depois ela adoeceu. Virose! Mesmo com as vacinas em dia não conseguiu escapar. Seis dias internada tomando soro. Não comia.  ‘Só um verdadeiro milagre pôde ter salvado esta cachorra!” - Disse o veterinário.
-Ufa! Que alívio! -Luzia e a família rezavam pela saúde dela.  Até Dona Auda foi visitá-la na clínica veterinária.
Agora brinca de empurrar garrafa pet e a faz subir, como uma bola. Inteligente, sensível, amável. Traz alegria e confiança.
-Mãe, desvire a orelha dela! –Pedia Poliana. Esta não podia ver a grande orelha branca que se dobrava às vezes, e, já se punha a desvirá-la. –Fica feia assim, coitada!
            Luzia punha jornal no chão da lavanderia para que a cachorra fizesse as necessidades. Todo dia era substituído por um limpo. Era nessas horas que Luzia se interessava em ler alguns assuntos destacados. Agachada, ao abrir o jornal fixava o olhar em algo que chamava atenção. Lia ali mesmo. Se fosse alguém especial recolhia-o e trocava por outro. Se tivesse fotos de jogadores famosos de futebol, de cantores ou artistas sensacionalistas, ou ainda algum político corrupto e intragável, ela fazia questão de manter esta página virada para cima. Sua Princesa saberia fazer o serviço completo.

3 comentários:

  1. Ali nessa foto ela está de banho tomado, branquinha, né. É, a Princesa é tudo isso, mesmo.

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  2. Luzia,
    Obrigada pela visita, me deixou feliz. Vi você no JP de ontem, você saiu muito bem na foto, parabéns por mais um livro. A princesa é linda! Um abraço!

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  3. Ahh, bela! Eu que agradeço! A nossa princesinha é demaisssss, mesmo!! Veja depois a Belinha, que veio da ViraLata ViraVida.

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