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quarta-feira, 15 de setembro de 2010

TORRADAS NÃO SE DESPEDAÇAM
            -Homero, me desculpe, mas é a quarta vez que deixo a toalha dobrada na cama pra tomar banho e você a guarda na gaveta. É de irritar, sabia?
            -Fica feia aí, sobre a colcha.
            -A colcha azul perfeitamente estendida, sem vincos! - Fala enquanto abre a gaveta, pega a toalha, joga nas costas e dirige-se ao banheiro. Homero puxa e retoma a toalha, a recoloca dobrada na cama, sem ser impedido a tempo e diz  “Pronto”!
            - Que prática! Você poderia ser camareira! Dê-me aqui; entrou rápido no chuveiro, não sem antes virar o pescoço: - seu perfeccionista de uma figa!  Conhecia Homero há dois anos, todavia sabia tão pouco. Este se sentou à cama, cabeça solta entre as grandes mãos em concha, cotovelos nas pernas retesadas. Tinha de estar intacta a torrada. Viu-se menino, o pai sentado à mesa; ele ao seu lado, consertando a torrada partida ao passar geléia de amora. - Perdem-se os restolhos e fica torta, feia, fedelho! - O menino comeu rapidamente os pedaços, temendo que a outra torrada quebrasse enfiou-a na boca em dois bocados sem a geléia. A mãe provavelmente não aprovasse a atitude do pai...Olhou ela de canto para o filho, tão leve que parecia invisível a si mesma; assim era mamãe, disse Homero.
            -O que disse, querido? - saindo do banheiro, retirando os últimos pingos de seu peito de pelos salientes. Põe a camisa azul de cetim e calça clara que delineava bem o belo corpo, aguarda uma resposta em vão. Já Homero silenciara como sempre, vai à cozinha:
            -Vamos tomar um café, Afonso? - Pode ser. - Acariciou o cabelo de Homero sentando-se na banqueta à mesa. Beliscou alguns biscoitos e um pedaço de bolo de laranja que fizera no dia anterior. -Muito bom o seu café! -Olhou para Homero, que, distraidamente procurava juntar as três partes da bolacha salgada que se quebrara.    -Quer que o ajude? diz Afonso levantando-se embaraçado. -Vou fazer um ovo mexido! - Pega o ovo, mira a pia para quebrá-lo, mas sustém o próprio braço que se erguia, impedido por um grito:
-Nãoo!! cuidado! não o bata, vai estragar a casca. É melhor cozinhá-lo.  O outro, amuado e sem entender, larga-o na pia, dentro de uma xícara sem cabo, vai ao quarto, deita-se a meditar, as ideias insistiam em voltar, aquilo não dava mais, era vingança ou neurose? Olhou a mochila, fechou os olhos, enquanto Homero se aproximava com uma suave manta desdobrando-a bem esticadinha, cobriu o corpo de Afonso, como a de um menino.

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