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segunda-feira, 11 de julho de 2011

A BARRIGA DA MÃE E A COBRANÇA

Dona Auda era muito persistente no trabalho, fosse qual fosse, sua resistência ao sofrimento e à dor era de impressionar qualquer um. Isto se comprova pelos comentários dos vizinhos quando para lá se mudaram seis anos após o  seu casamento.
-“Tá veno só as cana da Dona Arda? Já cortô mai cana do que tudo nói junto hoje!”, comentou Seu Zuza Bachega, vizinho do casal. “E num dexa soquete pra trais, que é pra mode delas brotá forte dispois”. Referia-se ao toco da cana.
-“Nem fale! Nunca vi muié ansim. Inté parece muié-macho de tanta força”, disse Naléssio, o outro vizinho, que contratara os serviços temporários da família na safra daquele ano, enquanto escorria pela garganta a fresca água do corote.
-Mai quando ela fica prenha, memo com nove meis, vai pras lavora a pé atrai da carroça, acho que é pra mode de não chaquaiá a cria, né, e memo ansim, ela tá sempre trabaiano ao lado do marido, coitada!! Só para pra tê o nenê– Disse Airton desapertando o cordão do chapelão sobre a cabeça, e a lapela.
E assim, os comentários prosseguiam até chegarem aos ouvidos de Dona Auda, que, sem perder a sua humildade, ignorava-os.  
 Dependendo da época era um tipo de serviço. Numa das gestações, com a mão cortada pelo facão, enrolara um pano e, mesmo ferida ela não parava para descansar.
-Todo ano é a mema coisa Nardo- disse a esposa - nóis é que dá o duro, carrega caminhão de cana, leva até a usina e na hora de recebê o dinheiro, cadê o patrão?
-Você tem razão mulher, mas eu não sei mai o que fazê. Já fui lá, já pedi, falei que precisava muito, não teve jeito, voltei de mãos abanano.
-Você não sobe é exigí. Com esse tipo de gente não se pede. Ele é muito forgado, mai nas costa de meus fio é que ele não vai forgá, disse a esposa esfregando as mãos, já nervosa com a situação, ia guardando o canecão do leite caprino.
-Todo mundo aqui trabaiô. As menina sempre pega no pesado, não é justo memo ele querê enganá a gente, retalhou Nardo, desacorçoado, enquanto picava o fumo para o seu cigarro de palha, apoiando o pé num toco velho de árvore, no terreiro, próximo à porta da cozinha.
-Pois eu vou amanhã memo resorvê isso pessoarmente, e aí ele vai com quantos paus se faiz uma canoa, disse resoluta. O esposo calou-se, atitude rara neste homem de 47 anos, que falava o dia todo, desafiando o senso de humor e a tolerância de toda a família e que falaria cada vez mais a partir dessa época. Mas isso é assunto para outro momento...
No dia seguinte, lá estava ela armada com sua sabedoria e com alguns valiosos conhecimentos adquiridos durante a sua vida, e carregando sua filha Luzia de apenas seis anos. Caminharam exatos 5 km até a Colônia da Usina, esperaram o ônibus que as deixaria na Vila Rezende: bairro urbano onde residia o proprietário do sítio. O patrão não quis recebê-la.
-A senhora volte outro dia Dona Auda, disse a patroa, o Luis está muito ocupado hoje, infelizmente..., já ia fechando a porta quando foi interrompida pela meeira.
-Não tem problema, eu vim lá de longe, gastei o pouco dinheiro que tinha com condução, ainda não armoçamo, trabalhamo o ano inteiro na terra, a cana já virou açúcar do café que a senhora toma todos os dia, ou álcool, quem sabe, mas eu espero! - Disse isso, pediu licença, entrou e sentou-se no sofá da sala puxando pela mão a pequena e vergonhosa Luzia.
-A senhora vai se cansar; é melhor voltar outro dia quando ele estiver mais calmo, insistiu a esposa.
-A senhora não me conhece. Pois saiba que daqui não arredo pé, durmo aqui e daqui ninguém me tira. Não vorto pra casa sem o meu pagamento. Meu marido já veio e fizeram ele de tonto. Isso não vai se ripití. Retirou o lencinho bordado com detalhes florais e enxugou o suor do rosto e do colo.
-Então, vou ao menos providenciar alguma coisa para a menina comer, deve estar com fome, coitada. - Saiu contrariada e apressadamente. “Ela até que é uma boa pessoa, sabe filha, mai o quê vamo fazê, né, temo que confiá em Deus e esperá a vontade do home”, Dona Auda colocou a menina no colo procurando acalmá-la.
No final da tarde Dona Auda ainda estava lá, no mesmo lugar, na mesma posição e com a mesma dignidade e sobriedade com que chegara de manhã. Luzia sentada ao seu lado se entretinha com as almofadas.
Seu Luis, percebendo através de sua esposa, que a meeira ainda permanecia em sua sala, com a mesma educação e quietude, achou mais conveniente dar sinal de vida e evitar maiores complicações para ele.
-Boa tarde! Como vai a senhora? - Embaraçado, apertou a mão de Dona Sílvia e a medrosa e úmida mãozinha de Luzia.

4 comentários:

  1. Oi amiga Luzia,tudo bem ?quero pedir mil perdões...esta semana na sexta feira,postarei seu livro no chá da tarde,escrevi um email que colocaria na semana ,mas não foi possível...convido você para o chá datarde de amanhã virtual mas com presença real....um beijo gde em seu coração.

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  2. Oi Luzia na postagem de hoje é o seu livro,convido para ir ao chá da tarde,tem um mimo para você,feito com carinho,viu....beijo

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  3. Olá, esplêndida essa parte, que resgata bem a personalidade de sua mãe mesmo a quem não a conheceu.
    Beijo
    Camilo

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  4. Oi, Luzia! Estou seguindo seu blog. A Dona Auda tem uma personalidade admirável. Gostei dela. Beijos!

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