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sábado, 5 de maio de 2012

Encontro com Tinoco
(Show dos Pamonheiros)

Era um show regional em Piracicaba, com cateretê, rock e moda caipira mesclados. O anúncio era de que o Tinoco ia dar o ar da graça. Fulminado por esta expectativa fui até o teatro municipal. Vi vários grupos e rostos conhecidos, ex-colegas de trabalho e transeuntes do dia-a-dia, sem saber que faziam tão bem aquela arte no palco. Lá pelas tantas anunciou-se a presença ilustre. Pensei que viria um cover! Que nada! Em passos lentos e de mãos levantados um velhinho bonito, de terno amarelo e cabelos como algodão doce, vinha com os olhos brilhando. Era o Tinoco mesmo. Quase fui beijar-lhe a mão. Muitos aplausos.
Depois foi dizendo sobre a proteção ao meio ambiente, a seu modo, com muita emoção, de quem quer deixar uma semente, uma pequena sementinha que seja, na beira do rio, que se refaça a mata ciliar. Falou como um xamã, sentou-se numa cadeira como um trono, a cabeleira branca lhe parecia um cocar de um sábio indígena. Poucas palavras ou nenhuma já atingiriam o entendimento da platéia em “transe coletivo”. Pude ver de perto a alma do Brasil. Sem cerimônia ouviu e cantou suas modas em ritmo de rock, com a sensibilidade de um verdadeiro artista, sem medo de qualquer estereotipo. A arte e os artistas assombram as categorias racionais mesmo. Há muitas formas vertentes da mesma raiz.
Saiu de cena, cansado para “pegar o seu cavalo”. Tinha compromissos em São Paulo. Veio “dar uma força” “aos menino”. Cochichei a minha esposa que se tinha ido a chance de autógrafo. Era compreensível. Via-se o cansaço, o peso da idade e a emoção que se submeteu. Via-se também que nos tantos anos de sua ditosa vida mantinha o carisma, tinha uma bússola interna para comandar um show, entrar e sair de cena. Contou histórias de sua vida, algumas das quais conheço por livros ou de admiradores. Manifestou a vontade de mudar e vir morar na região de Piracicaba. O que nos seria gratificante. Ver o Tinoco nos shows, assistindo peças de teatro, subindo nos palcos e fazendo compras por aí, não sei se teria o sossego que precisa.
Estava satisfeito com a despedida do Tinoco, pensei que não fosse ficar até o fim do show e ia “pegar o cavalo para São Paulo ao entrar pela coxia”, mas no final da apresentação fui até a recepção junto dos camarins e lá um senhor em pé, sozinho, com a cabeleira branca e eu disse a minha companheira “olha lá, é ele!”. Simples e sereno. Vi e senti todo um passado ali na minha frente – o herói de meu pai, de meu irmão quase-gêmeo, as suas modas que ouvíamos pelo velho radinho de pilha com interferências, os programas que fazia pela TV, toda uma história de emoção ali, toda aquela presença. Falei muito, queria dizer tudo de vez. Não sei se me conseguiu ouvir ou entender ou assustou-se comigo, falei de meu pai que o “adora”, minha esposa ia me corrigindo; ele todo-ouvidos, sereno como um ícone que é perguntou: “Seu pai mora aonde?”. Naquele breve momento nem sabia como responder ou porque perguntara isso, um autógrafo bastava e ele queria contatar meu pai? Conhecê-lo como se houvesse uma amizade antiga? Será que queria ir à casa do meu pai? Não tive tempo de mais delongas, outros, percebendo o movimento e a figura dele, vieram e tinham todo o direito. Eu fui matutando o que ele quisera dizer com “seu pai mora aonde?”.
O artista tem de ir onde o povo está e ele, velho, cansado, com compromissos familiares, veio a Piracicaba. (Texto de Camilo I Quartarollo).
Na foto, Camilo, os queridos amigos Val e Jil, eu e Tinoco. Minha homenagem à alma dele e de seu irmão Tonico, tão apreciados e cantados por minha mãe e minhas tias, e por mim, na infância.

3 comentários:

  1. São raízes brasileiríssimas que se perdem...
    Bela homenagem!
    Abraço, Célia.

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  2. O PAPEL E O POETA

    Não quero mais ser um coadjuvante
    Para ser lembrado apenas por um lapso.
    Estou farto de pensamentos disfarçados em abstrato
    Ziguezagueando por entre linhas de raciocínio.

    Quem é o criador?
    O poeta que se torna escravo de suas musas
    Ou o papel que as alforria silenciosamente?
    Perguntas sem respostas
    Cuja desculpa se encontra
    No último parágrafo.

    Cansei de ser o fardo de uma pena
    E depósito de frustrações.
    Quero libertar-me desse jugo
    E prender-me em minhas próprias idéias – ou:
    Ser o personagem da minha própria pessoa.

    Quero atuar em meu próprio mundo,
    Ser a minha gramática,
    Sem uma sentença que me condene.

    Quero descobrir o meu verdadeiro papel,
    Poder enxergar a mim mesmo.
    Não sobre uma escrivaninha fria e empoeirada
    Que o tempo deixou no esquecimento,
    Mas sim em cada alma,
    Em cada poesia.


    *( Agamenon Troyan )

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  3. Olá, também tive a honra de conhecer este mestre, tocamos juntos no ano passado, em seu aniversário, veja mais em www.ojvc.com.br Alexandre Antonio Lovate

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