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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

VISITAS DESEJADAS



As crianças aguardavam ansiosamente as raras visitas dos avós, tias, tios, primas e primos. Vinham à casa da irmã uma vez por ano ou a cada dois anos e o acesso a pé da Usina até o Bairro Fria era-lhes penoso. Porém as suas presenças traziam eufórica alegria a eles. Juntamente com a beleza e a educação da tia adentrava à casa um delicado aroma de perfume e pó-de-arroz que destacava a pele macia morena, os lábios sempre realçados com um batom de tonalidade marrom claro. O belo cabelo cacheado. Vestida elegantemente com traje social, calçando simples, mas finos sapatos fechados e usando meia calça quando a temperatura estava em baixa.
 -Tia, a senhora veio pra posá? – Indaga Regina, vencendo a vergonha.
 -É claro que sim! -Sorrisos alegres, mas discretos, iam deixando-se levar pelas mãos das primas da cidade. Brincar de passa anel, adivinhar mês, passa-passa bom barqueiro, as três mocinhas da Europa, morto-vivo, cirandas como “ciranda cirandinha vamos todos cirandar vamos dar a meia volta meia volta vamos dar, o anel que tu me deste era vidro e se quebrou o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou, por isso dona Soninha entre dentro desta roda, diga um verso bem bonito, diga adeus e vá embora”, “Terezinha de Jesus” ou “gato e o rato” , puxar-cabelo, pega-pega nos galhos das mangueiras.
No verão brincavam no rio. Nos lugares mais rasos era possível sentarem-se nas pedras de tamanhos e formas diversas dentro da água e até mesmo deitarem-se de costas. A água cristalina passava pelos seus corpos imersos, cabeça para fora. Pedras pontiagudas destacavam-se na superfície. Rochas escuras pareciam bichos presos no fundo do rio. Os locais mais fundos eram deixados aos maiores. “Cuidado com a correnteza lá em cima!” - Alertava a mãe. A erosão aparecia em alguns trechos, deixando à mostra o barranco avermelhado, algumas raízes salientes expostas, que adentravam as águas. Um generoso pé de pitanga carregado, à beira do riacho, desprendia as frutas na água ou eram colhidas e lançadas pelas crianças, para alegria dos peixes, lambaris e pintados, que emergiam. Alguns galhos permaneciam suspensos sobre o rio como se desejassem alcançar as águas, o que de fato alguns conseguiam. Folhagens grandes e pequenas decoravam o espaço. As arapongas com seu canto estridente, os gaviões, os anus com suas pretíssimas penas e os outros lá desciam para beber água. Uma pequena raposa passou correndo e escondeu-se. Arremessavam pedras na água para ver a ondulação e o desenho que se formavam.
-Olha! Um lavacu ali! –Tetê indicou o fino inseto que num relance batia a parte anterior na água.
                -Tem uma borboleta preta com uma mancha amarela, ali, olhem, que bitela!- mostrou Sirlene, correndo atrás dela. –Olha lá, ali, ali!!!
            -Não pegue nela, que o pozinho das asa tem veneno pros óio!! – falou Tetê, em seus cinco anos. – Ô Sirlene, ocê tá cheia de picão!  Ah ah ah !-Tetê ria da menina cuja calça estava lotada de semente preta e fina. Ajudou a retirar um a um.
            -E ocêis tão tudo com carrapicho. Pinica a mão, viu?! –Fala Luzia, levantando a barra da calça para extraí-los.
            Chegaram a casa exaustas, depois do banho no rio foram escolher o feijão na bacia, o arroz na mesa. Sirlei ficou fascinada pela destreza da tia abanando o feijão em uma grande peneira. Seus olhinhos acompanhavam o sobe e desce dos grãos, cuja palha ia caindo ao chão, permanecendo na peneira o feijão limpo, sem derrubar o feijão junto com a palha que “voava”. Tal era a agilidade do movimento que mal dava para perceber a existência dos grãos. Sua vista ficou embaçada e pediu à tia se podia fazer também. A resposta foi um não bem taxativo. Dona Auda não pretendia perder todo o feijão colhido. A menina não insistiu. Palavra de tia não se volta atrás. Se bem que as suas filhas sabiam tranquilamente peneirar os alimentos desta maneira eficiente.
            -Lavem bem as mãos com sabão, pra janta. Tem água no barde ali fora, falou Dona Auda, e disse também a Tetê:
            -Tetê, limpe este narótio, vamos?! – Gripada, o nariz da menina desprendia o catarro, enquanto o cachorrinho Lulu abanava o rabo, tentando afastar-se das moscas inoportunas. Maria as amaldiçoava:
             – Saiam de mim!!!
            De manhã, como já era costumeiro, acordaram de madrugada. Mas neste dia em especial, “quem ficar por último é mulher do padre”, um correndo mais que o outro pra chegar ao rio e lavar os olhos. Só os olhos! A água ficava gélida nesta época do ano e a ordem primordial era “Vardevino, Soninha, Sirlei e Jandira, lavem bem ozóio pra tê vista boa pro resto da vida”.
             Dona Auda foi orientando os sobrinhos na sua religiosidade e fé. Era sábado de Aleluia! E era costume lavar os olhos na água fria do rio antes de iniciar qualquer atividade neste dia. Superstição ou não, isso “garantia” uma boa saúde aos olhos das crianças, além de lhes propiciar um clima de curiosidade e magia contagiantes.
            -Mas se der dordóio é só pingar leite no olho, não é? –comentou Izolina ainda na cozinha.
            -Ah sim, é um santo remédio! -Fala Dona Auda espreguiçando-se.
            -Lave a fuça toda, Sirlei! pra se acorda! – Ana alerta a prima que, com as pontas dos dedos lavava exclusivamente o canto dos olhos, com os pés fincados no saibro do barranco, à margem do riacho.
            -Mas tá muito gelada. Ui! –explica a menina sem pestanejar. –Sua mãe falou “os zóio!” Atchim!!!
            -Saúde! -riram todos e começaram a jogar água para o alto. Correram à casa para se aquecer, brincando de pega-pega.
            -Figuinha! -Tetê cruzou os dedos da mão direita, pedindo uma pausa na corrida. Parou para apreciar um pica-pau furando o velho ipê roxo. 
            Passaram pela porta da cozinha: Sirlene sentada numa cadeirinha improvisada - Maria e Soninha com os braços entrelaçados transportavam a menina-, enquanto Regina e Sirlei faziam o mesmo com Tetê.  
                -Venham ver! Venha ver mãe! Eu estou alta! –Sirlene chama a mãe e a tia.
             -Não façam banzé! -lembra Dona Auda.
          Aparece Nardinho e convida:
            - Ô primo, venha ver o estilingue que eu tô acabando de fazê! - olha para Dona Auda e completa animado - Ô mãe, eu achei uma forquilha que dá certinho pro estilingue. - Correm ele e Vilson para a mata. Este, um jovem digno.
        - Leva eu Marciano! Espera eu que eu tamém ! – Gritavam as crianças quando sobrevoava algum avião por lá.

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