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terça-feira, 30 de julho de 2013

Livro  25 anos do grupo de teatro “Andaime – Um Jeito de Ser”
 
Acabo de ler o livro Andaime – Um Jeito de Ser, escrito pelo doutor em História Social e Mestre em Teatro,  Alexandre Mate, com uma rica abordagem sobre a trajetória de 25 anos do premiado Grupo Andaime de Teatro Unimep, lançado recentemente numa festa a Dionísio - encontro histórico entre atores, atrizes, diretores, dramaturgos, equipe técnica, familiares e amigos.  O livro contém belas fotos, relatos dos integrantes do Grupo, dos diretores e autores, cartas, comentários sobre os onze espetáculos encenados intercalados com algumas cenas, entrevistas aos heróis que, em 1986, fundaram o Grupo - Antonio Chapéu e Carlos Jerônimo - e seus depoimentos sobre as aventuras e desventuras dos participantes, os acertos e erros e alguns detalhes quase desconhecidos da maioria, relatório crítico de consagrados jurados nos muitos festivais, críticas jornalísticas e reflexões, e assim, o autor vai amarrando a nossa história e contextualizando a época política e cultural.  Como bem lembra Mate, nos versos de Brecht “Tantas histórias. Tantas perguntas”.     
 
 
                                                 
Quantos palcos pisados, improvisados ou sofisticados! Palcos em que mal cabia parte dos atores em cena (a cena da viagem, no espetáculo Nonoberto Nonemorto, por exemplo, ou o rio no Lugar onde o peixe para). Deliciosa alegria de encenarmos para plateia efusiva e lotada ou, meia dúzia de gato pingado. Em frente à igreja, na praça de Santa Olímpia, quanta emoção. Ouvir os gritos de “Bravo! bravo! bravo!” durante quase 10 minutos, em Trento, Itália, em maio de 1999. Ahh! guardo na memória aquelas pessoas em fila para experimentar um taco de cana “hummmm, é doce!!”, diziam, surpresos e alegres. E quem poderia imaginar que aquela caipirinha saída do mato e portadora ainda de tantas caipirices, um dia viajaria para a Itália em evento cultural?! (extraído do livro A Menina do Bairro Fria, romance autobiográfico). Ou, no Teatro Municipal de Piracicaba, na Unimep ou no Sesc recebendo os abraços de nossos familiares e amigos com os olhos aquosos. Vieram muitos prêmios e reconhecimento.
As músicas cantaroladas durante as viagens. As festas, a comemoração da vida! A euforia, as ansiedades e neuroses de cada um divididas com o grupo. Os reikis que eu aplicava, as massagens nas costas dum, no pé doutro.

                                    
                           
Subir e descer escadas e mais escadas carregando cana, mesas, barco, de madrugada, e entrando às 7h na escola para lecionar, ufa! Todas as tardes de domingo, muitos e muitos domingos, durante muitos anos!! longe da família, quanta correria. Dez horas de ensaio, com um intervalo de 10 minutos no mês que antecedia à estreia, às sextas, sábados e domingos e feriados nas madrugadas. O suor escorrendo após horas de exercício e caminhada pela sala de ensaio, num ritmo alucinante. “É aí que se cria! Vamos, hospital geriátrico!”, dizia o diretor Francisco Medeiros, durante a montagem de Nonoberto Nonemorto; transcende, acende, “põe fogo no rabo, minha gente, vamossss!!” dizia ele, frequentemente. O piso do chão mantinha-se úmido pela sudorese, que teimava em cair dos corpos mui aquecidos.  O mítico, o multidimensional, a dor, o prazer e acolhidos no grupo só tínhamos a crescer.
 O trabalho de pesquisar, entrevistar, ler, imaginar, escrever as cenas e interpretar, seja só, em dupla ou grupo. “Nossa! Quem é aquela mulher, com aquele vestidinho preto, sobre o salto, que imponência, misto de nobreza com sabedoria?!” lembro-me do Chiquinho Medeiros anotando isso em sua grande agenda, referindo-se à improvisação de minha viajante, e, depois compartilhando com o grupo observações de cada ator e atriz em cena, na fase de elaboração da dramaturgia. Lembro da cordialidade, da criação e da sensibilidade do Abreu, homem-anjo, inspirador.
 
 “Ma injua, no”, diziam as Três Graças, a minha graça chamada Irma, retraída porém  esperta, queria ser bailarina, com seu sapatinho especial dançava e cantava com a sombrinha. Que saudades da Graça Simone e da Graça Marina; depois vieram as Graças Gabi e a Graça Nelma. Esqueci-me de alguma? Perdoem-me a memória frágil. Como posso omitir a mulher que viajava no Nonoberto Nonemorto em toda apresentação? quantas cidades ela viajou, com sua mesma e única mala de madeira (peguei de meu falecido pai), levava arame, uma bacia de alumínio pregada na mala e uma escumadeira, de madeira! Um livro “Como escrever cartas”, uma pedra da Itália - terra natal -, uma foto. Da coxia, lágrimas eu derramava em toda apresentação. E o “sofrimento” para cantar dona nobis e depois as gostosuras das músicas italianas, quando aprendemos... será que aprendemos, Jânea??  E o canto do rio, então!! Ô dureza de afinação...
 “Xii, nem certô!”   “– Eu guspo di novo”, as irmãs Dora e Deleise, minha amiga irmã Vânia, que agora é mãe de dois, quanta diversão, trabalho, estudo e conquistas... na hora de acordar as duas bocejavam, ela queria minha boneca de sabugo de milho, pois a dela se perdera “enfia um pauzinho no cú do diabo que ocê acha!” “dispois num isqueci de tirá sinão o diabo vem e pega ocê, viu!”  Ou,  a mãe Romirda (Alice, Simone, Ercília) na hora do desespero pelo sumiço do filho Denirso ( Péricles, Paulinho) e o severo pai  Nerso (Jorge): “o que foi que ele falô, desimbuche logo!”,  a ingenuidade de Dora: “ele falô ansim que eu tenho miolo mole.” O turco que come criança (Jerônimo). Os nossos cantadores Chapéu e Jê  do espetáculo Lugar onde o Peixe Para. “Eita nóisssss!!” Como era bom interpretar o festeiro com a timba, o assobio e o remo, aquele parecido com meu pai. Inté minha filha Polyana, na época com nove anos, participou nas brincadeiras das crianças, do Peixe, do grandioso Carlos Abc, que, sensível e incrível, punha todo mundo na procissão de entrada do Divino: fosse motorista do ônibus, um ajudante, marido, namorado, um estranho ou um irmão, ninguém escapava, ah, não!! Não esqueço os bonecos do Elias improvisados, recriados na Itália por ele. Também tiro o chapéu para o Chapéu, a força de sua enigmática liderança, sua ousadia e sensibilidade.
 
 
Meu Deus!! Os figurinos e cenários que minha mãe, saudosa Auda, fez e refez com perfeição. A rotunda redonda do Nonoberto pegava nossa casa e o quintal inteiro, em comprimento, éramos 4 ou mais para puxá-la.
Simone Cintra, uma das lideranças fundamental na organização e fortalecimento do grupo, com muito sucesso, aborda em sua pesquisa de mestrado e doutorado, Unicamp, o processo de montagem de Nonoberto.           
 Escolhi alguns, dentre muitos relatos preciosos inseridos no livro:  Luis Alberto de Abreu “...Não fosse pela alta qualidade dos seus espetáculos, não fosse pela excelente receptividade do público e mesmo se não fosse pela seriedade e continuidade de uma longa pesquisa voltada ao seu próprio território, mas com o foco direcionado ao que o ser humano tem de mais universal e permanente, mesmo assim o Grupo Andaime teria seu lugar reservado na recente história do teatro paulista: foi um grupo de pessoas que sonharam criar e consolidaram sua criação fora do eixo dos grandes centros de acesso à produção cultural. E o fizeram com conteúdo e qualidade”.
Paulo Faria: “...as discussões, os choros, os risos, os abraços de conforto, o frio na barriga antes de cada apresentação, o grito de guerra, os prêmios, as frustrações(...)Mas ter o grupo Andaime como família é fácil de explicar. Uma família bem estruturada é capaz de construir a base forte de seus filhos que sempre vão passando para as próximas gerações. Senti exatamente isso. Muito do que sou como homem, profissional da arte, etc, vem da estrutura adquirida no grupo Andaime”.
 

Fechando o livro com chave de ouro, há um caloroso depoimento da atriz Daniela Scarpari (a Moça do Rio e a Nonna) que reside na Itália e lá constituiu nova família, seus filhos italianinhos-brasileirinhos: “(...)como um mago ele (Abreu) me ajudou a entender a minha própria condição em terra estranha: “minha terra são meus filhos!” “a nossa comunidade não é essa terra, é algo que é riscado dentro e vai com a gente aonde a gente for!”. Se não fosse pela minha experiência no Andaime, se não fosse por Lugar onde o Peixe Para e se não fosse por Nonoberto Nonemorto, a minha vida de piracicabana na Itália seria muito mais difícil...Com eles aprendi quem eu sou e de onde venho e o mais importante o que eu levo comigo!”
Agradeço e parabenizo a todos os atores e atrizes que compartilharam essa coisa chamada grupo, se a vida diária não nos aproxima, a arte, sim, poderá fazê-lo.
Agora, levantem os andaimes e vamos à (re)construção, pois aquilo que é essencial aos olhos e à alma, nunca morre! Transcende!           
(Publicado no Jornal A Tribuna Piracicabana - 24/25 de julho 2013)
 

Um comentário:

  1. Linda reportagem! Encantadoras lembranças de relacionamentos que ficam para sempre gravadas em nossa memória e coração. Parabéns, Luzia!
    Bj. Célia.

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