contador

Páginas

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

ESCONDE ESCONDE COM SEU NARDO


            O  preparo da comida era função de Luzia, depois substituída pela caçula. Para o almoço somente Seu Nardo era quem vinha. Nesta época, trabalhava como ajudante geral na fábrica de papel, próxima de sua casa.  A “ladainha” se estendia durante uma hora, o pai não parava de falar um só segundo. Era o tempo de engolir a comida e continuar tagarelando. Luzia preferia não contar nada à família para não incomodá-los. Sem saída, teve uma idéia: no dia seguinte, quando o pai chegou, encontrou-a sentada no centro da sala, em posição de meditação, balbuciando sons desconexos que lembravam mantras.  Blam, blam, bim, bom, bom, dam, lê, lê, lê, aum ,aum... enquanto balançava o corpo de um lado a outro. O pai estranhou aquilo. Coisa jamais vista.  Inquiriu desconcertado:
            -Filha, o que é isso? O que que ocê tem? Acorda filha!- Abaixou levemente tocando em seu ombro. Vestia um uniforme azul escuro, calça e camisa de manga curta. -Aum, bam, bam, mmmnnmmn – continuou Luzia, simulando concentração.
            -Que que foi menina, aconteceu alguma coisa? -Cansado de insistir, foi para a cozinha em silêncio e almoçou quieto, sem compreender. Não tinha com quem falar.
            Fez isso durante alguns dias e achou que era hora de alterar a tática. Escondeu-se embaixo da cama. Hora do almoço o pai adentrou a casa, não vendo a filha, passou a procurá-la por todos os cômodos e quintal. Nada da menina. Onde estaria?
            No 4º dia, já desconfiado, chamou-a meio desapontado e abaixou-se com dificuldade para observar sob as camas. Uma a uma e nada. Já ia desistir quando se curva e depara-se com Luzia deitada no chão empoeirado.
            -Que que ocê tá fazendo aí, nesse chão gelado, Luzia?! – Indagou meio desorientado o pai. - Sai debaixo da cama, aí não é lugar pra brincar de esconde – esconde, vamos?
            Não teve outra opção a não ser “sair de fininho”. Passou o dia pensando em outras estratégias. Não queria ofender nem magoar o pai. Ah! Se pudesse ficar transparente!
            -Eureka! Já sei aonde vou...
            Deu o prazo de uma semana para despistar o pai. Hora do almoço, ele faz a mesma maratona de busca, falando sozinho, resmungando, reclamando e chamando.
-Luzia, ô Luzia! Ocê saiu? A comida tá quente? Ocê viu meus ósculo? Não acho meu boné. -Seu Nardo deu pra usar boné, agora na cidade. Falava a esmo.
E assim seguiram-se por vários dias, até que ele foi encontrá-la no guarda-roupa das meninas. Que surpresa!! Mal sabia que quarda-roupa era o esconderijo preferido de Luzia. Gostava de tocar e espiar as roupas de passeio dos pais, como um paletó antigo, do pai, ou um casaco da mãe, aquele e estes raramente usados. Cheirando a naftalina escondia documentos, foto antiga, lencinho, dinheiro.
             Somente após quase três anos as brigas humilhantes e vergonhosas para os filhos, diante dos novos vizinhos - parede com parede- cessaram. A mãe disse ao pai “ou sai você ou saio eu. Se sair, aqui não entra mais”. E assim foi. Saiu ele, sem opção de retorno, a 31 de maio de 1981, para morar sozinho. Posteriormente foi trabalhar como vigia noturno em um prédio, por pouco tempo, tendo em seguida iniciado a profissão de vendedor ambulante de doces, os quais eram fornecidos por uma fábrica de doces...

Um comentário:

  1. Oi Luzia

    Eu acho que é hoje o seu aniversário! Parabéns, saúde, milhões de felicidades e muitas inspirações poéticas.
    São meus sinceros desejos.

    bjos
    Ivana

    ResponderExcluir

Comente algo! Sua opinião é bem vinda. E viva a arte! Obrigada pela sua bela participação.