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terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O Corte de Cana

- Maria, ocê viu a Luzia por aí? Regina acabara de trocar a cunha gasta da enxada que usaria no dia seguinte, com o auxílio do pai
- Deve de tá coisano por lá...
- Ué?  Cadê essa menina? - Deve de tá fazendo folia por aí – observou o pai, enquanto picava o fumo para o cigarro. Já comera seu pão e tomara o café com leite morno.
- Acho que ela foi lá em cima catá manga, que co’esses vento cai tudo no chão! - Completou Maria limando o facão, após guardar a cesta de café numa moita, à sombra.
Olharam para trás e perceberam a irmã aproximando-se devagarinho, pálida como cera.
- Que que ocê tem, menina? Dexa eu sua mão.
Regina foi descendo o vestidinho ensanguentado, no qual a irmã segurava o dedinho ferido. Seu rosto foi se ruborizando de susto, enquanto Maria aproximava a olhar o dedo lavado de sangue e quase desmaiou horrorizada. Correram até a capoeira onde se encontravam a mãe e o irmão. Daí em diante foram horas de tensão até que Nardinho pegasse o velho caminhão, recentemente adquirido pela família, o desencalhasse duas vezes, e chegasse até a Usina para ser medicada na única farmácia. De ambulância até o hospital, na cidade. Manteve o dedo enfaixado, na companhia de Dona Auda, que mais uma vez, se fez de forte e destemida, diante da fragilidade da filha. 
Luzia bradava sozinha na sala de cirurgia. Não deixaram a mãe entrar. Gritava mais por receio de ser abandonada naquele lugar estranho que, precisamente, pela dor. A mãe sofria com os seus clamores. Pediu permissão às enfermeiras para adentrar ao quarto. O médico não permitiu. Ela insistiu dizendo que moravam no sítio e a criança não estava acostumada a ficar assim, longe da mãe e de casa. Nada feito.
 Os berros persistiam. Dona Auda estava a ponto de desmaiar, nervosa. O médico resolveu o problema:  levantou a mão e desferiu um tapa no rosto da pequena para que “voltasse a si”. O choro cessou. Quase decepara o dedo e ficou com um “fio de nervo” pendurado. Que alívio! Luzia não o perdeu. Dor maior sentiu quando passou o efeito da anestesia e caiu na realidade. Sentia coceira no braço, mas não podia coçá-lo.
Voltou para casa com cinco pontos no polegar da mão esquerda, gesso até o cotovelo durante quase três meses, uma marca definitiva em forma de Z. No futuro, brincaria inúmeras vezes dizendo que o “Zorro” passara por lá. Dias depois já brincava. Demorou mais um ano para que Luzia começasse de fato a cortar cana, por necessidade, como fazem os bóias-frias. Até então, seu contato com o canavial, além daqueles, era dar lambidelas no melado que a cana queimada liberava, agachada, disputando espaço com as abelhas e se lambuzando, junto à Tetê. Carinhas e mãos pretas e adocicadas. As roupas impregnadas de mel e sujeira eram trocadas em dias alternados, e haja sabão e escovão!!

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