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segunda-feira, 16 de maio de 2011

Artigo publicado na Tribuna Piracicabana, há algum tempo.

MULHER OBJETO
             -“Larga esta boneca! É minha!” –Grita a mãe de dez anos de idade à sua filha de dez meses, retirando a sua boneca preferida das mãos do bebê.  Este chora, assim como sua mãe. O outro filho, gêmeo, acaba de acordar faminto pelos seios ainda não desenvolvidos de sua mãe. A infância desta foi seqüestrada pelo padrasto estuprador. Isso não se trata de uma cena cinematográfica, teatral ou extraída da tela de TV. Seria provavelmente um fato ocorrido, não fossem a piedade e o bom senso de um médico e da família que aprovou a interrupção da gravidez desta menina pernambucana. Sabemos que os maiores índices de violação sexual ocorrem dentro de casa, com parentes próximos ou distantes. Em artigo publicado dias atrás, o querido e conceituado médico ginecologista Guilbert comenta que não há prevenção ao estupro. Defende o aborto como um direito à mulher. Talvez investindo em educação e numa mídia mais ética ajude a prevenir abusos. Já o bispo, no mesmo artigo, reafirma a posição da igreja católica romana que é contra qualquer tipo de aborto, pelo direito à vida. Mas a questão não é simples assim. Não é hora para hipocrisias. Não sou favorável ao aborto. Já fui, no passado. Como eu abraço o espiritismo e acredito na reencarnação, na evolução mental e espiritual da alma, defendo a vida também. Todavia, defendo a vida de crianças exploradas, violentadas e de mulheres em circunstâncias similares. Sou educadora e, há anos atrás, numa ocasião de debate em sala de aula, com alunos do Ensino Médio na Escola Dr Jorge Coury, sobre o polêmico tema aborto, a opinião de uma aluna me fez rever a minha postura em relação ao aborto por estupro: “Se a pessoa não quiser criar a criança, ela poderá gerá-la em seu ventre, visto esta não ter culpa pelo ato do pai, e terá nove meses para encontrar alguém que a adote já no nascimento. Não deve ser fácil, mas se a mulher fizer esta opção será um direito dela”. Não havia pensado nisso...mas ainda acredito no direito da mulher poder escolher, nesse caso. Concordo com o bispo quando lembra que há pessoas favoráveis ao aborto, inclusive vindo a praticá-lo em estágio avançado de gestação, mas que massacra a mulher que abandona o bebê ao nascer. Nem tomam conhecimento dos fatores que a levaram a essa medida extrema e lamentável. A questão é: a sociedade não oferece estrutura para orientar e socorrer a mulher pobre, abandonada, solitária, desequilibrada, faminta, desempregada, com depressão pós- parto, em tenra idade ou não. É fácil atirar a primeira pedra, difícil é sentir a pedrada. E onde está o homem? O pai? Que papel atribuímos a ele? Ninguém se lembra dele quando uma mãe larga a criança à mercê. É o machismo que ainda impera. Tenho a nítida impressão de que, para as menos favorecidas financeiramente, a trajetória feminina na história da humanidade não sofreu significativas alterações, chegando mesmo a sofrer involução em algumas situações. A mulher branca, estudada e com independência monetária conquistou muito espaço e compete com o homem quase igualmente. Do cinto de castidade, quando a mulher era privada de sua liberdade higiênica e do prazer solitário onde nem a masturbação era permitida, passando pela escravidão no Brasil Colonial e Imperial onde a violação do corpo e do pensamento feminino era constante, num sistema patriarcal vergonhoso, até os dias de hoje, o que temos conquistado? Mulheres negras e pobres ganhando menos que outras. O corpo, a imagem e a dignidade da mulher sendo vendidos em out-door, na mídia em geral, através de propagandas de bebida, de carro, e outras, como mercadoria barata e de fácil acesso. Através de filmes, novelas, programas de auditório, pegadinhas, piadas, e até mesmo de “inocentes” desenhos animados a figura feminina surge estereotipada, manipulada, objeto de consumo e prazer masculinos. Ainda se ressalta a importância dela no fogão e cama. Basta observar as propagandas de margarina ou outro alimento, servido pela mãe aos filhos e marido que aguardam. Quando é ele quem ajeita a mesa, mostra a comida já comprada pronta. Nos sites e blogs vê-se um tratamento preconceituoso e hipócrita ao sexo feminino. Nas bancas não há mais critério para as vendas de revistas pornográficas: estão expostas do lado de fora, bem na altura da cabeça das crianças que por ventura passam em frente todos os dias, na calçada da escola. Em algumas se vê um cantinho escrito “revistas eróticas masculinas”. Em outras estão bem espalhadas. Perguntei outro dia ao jornaleiro ‘ o senhor não tem um cantinho de revistas eróticas para mulheres?!” Ele não tinha. Será que pensam que as mulheres não gostam de ver os corpos masculinos? Acredito que a resposta seja outra: os homens são mais discretos e espertos, não se vendem tão por baixo. Querem preservar um pouco da dignidade que ainda resta. Ouço muitas mulheres dizendo que o marido a ajuda nisso ou naquilo em casa. Indago mentalmente: seria ele uma criança ou um doente que não consegue fazer sozinho? Seria então ela a responsável por tudo no lar, com dupla jornada de trabalho? Ainda predomina no inconsciente coletivo a idéia de que a mulher deve ser a imagem de Maria, pura, perfeita, que se nega o prazer e a auto-realização em função dos filhos e marido. Basta verificar as pesquisas que indicam o baixo número de mulheres que consegue um orgasmo com seu parceiro. Parece banal, mas a sexualidade bem gerida é fundamental à saúde individual e a do casal.  Quando a auto-estima está em baixa a mulher se isola, se deprime, aceita sua situação de exploração e violência doméstica como normal ou impossível de se mudar. Depende emocional e financeiramente do marido, principalmente quando se tem filhos.  A própria família nega a infância à menina e a expõe à violência, quando esta só usa a moda do adulto, vê programas de adulto, escuta a mediocridade e a mentira. A bonecas estão cada vez mais com caras e corpos sensuais. Outro detalhe: Por que a mulher ainda adiciona o sobrenome do marido ao seu ao se casar, se a legislação permite que se preserve a sua identidade ou que se faça o contrário também, acrescentando o dela ao dele?! Não tem ela individualidade e luz própria? Esta prática fazia sentido quando o homem era o dono da mulher. Foram tantas as transformações nas relações familiares e na sociedade que não se atentou a outro detalhe: Continua-se acrescendo o sobrenome do pai no final do nome dos filhos, em descrédito à mãe!! Neste país, quantos pais abandonam o lar para sempre, ou esporadicamente lembram-se dos filhos?!! Rápido fabricam outros em distintos lugares e quando a criança ou a mãe vai preencher uma ficha ou compartilhar algum prêmio dos filhos, depara-se com o seu sobrenome abreviado, e em destaque o sobrenome daquele que mal sabe a idade e a série escolar em que o mesmo se encontra. Ela leva um choque! Gerou, pariu, amamentou, cuidou...! Como desejar que crianças, jovens e adultos, seja masculino ou feminino, respeitem a mulher se a auto-imagem dela é distorcida desta forma?!? Desde a promulgação da última Constituição do país, há vinte e um anos, não há mais o termo chefe do lar, para o homem, ambos são os responsáveis pela família. Temos um grande aumento de lares chefiados somente por mulheres. Sua força e resistência foram fundamentais para a construção da sociedade, ainda que obscura pra História. Concordamos em generalizar o feminino pelo masculino nos vocábulos cotidianos. Decidiu igualar-se ao homem tanto nos aspectos positivos como nos negativos, imitando–o.É uma pena! Se as leis, por um lado, se democratizaram e avançaram em relação à mulher, como a Maria de Penha, os financiamentos de imóvel em nome da mulher e outros, falta muita coisa ainda, na prática.Que possamos, homens e mulheres, compartilhar de uma busca lado a lado!
 

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