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sexta-feira, 6 de maio de 2011

RITUAL DA LIMPEZA E HISTÓRIAS (excerto do Livro A Menina do BAIRRO FRIA)

A  casa estava sempre limpa, apesar da areia do quintal em frente à cozinha e da terra roxa ao redor. Assim como as roupas e o asseio do corpo que a mãe fazia questão de inspecionar e orientar. Ao menos uma vez por semana verificava se havia cascão nas orelhas, nas duas orelhas dos cinco filhos e também no umbigo; cuidava da higiene bucal, via se estava na hora de cortar as unhas, se havia “bicho-de-porco” ou “bicho-de-pé”, vulgo “batata”, nos pés. Ai! Como era prazeroso esse ato de carinho da mãe, com sua agulha de costura, em mãos firmes e atenciosas, cavava um buraquinho na pele, contornando “o bicho- de pé” até extraí-lo com destreza e coragem; dava uma coceirinha gostosa e um alívio no local. Outras vezes, era o estrepe no pé de uma, no pé doutro.
Aos domingos era fatal. Ao raiar do dia pegava os filhos menores, um a um, enchia a bacia de alumínio com água amornada no único fogão à lenha de que dispunham, enganchava a criança em seu quadril e se punha a lavar a cabeça, geralmente com sabonete ou sabão. Shampoo era coisa para “gente chique”, da cidade. Às vezes, Dona Auda completava a limpeza com folha de babosa. Os cabelos ficavam sedosos. Ocorre que, fosse por hábito ou por compreender que este era o único e melhor método de se lavar a cabeça dos pequenos, para evitar que a espuma infiltrasse nos olhinhos, Luzia se sentia incomodada naquela posição desajeitada: cabeça na bacia, pernas entrelaçadas na cintura da mãe e braços agarrados em seu pescoço. Parecia até uma brincadeira, mas a água e a espuma que escorriam em seus olhos e ouvidos era sinal de tortura ou sufocamento natural. Não entendia por que a mãe precisava carregar todo esse peso em seu colo e fazê-lo desse modo tão complicado. Na ora de penteá-los outro “martírio”. Não usavam creme e os puxões com o pente eram inevitáveis. Apesar desse ritual inquietante, o sol de domingo tinha uma cor, um cheiro no ar e uma vida diferente dos outros dias da semana. Mais bonito, alegre e aconchegante. Isso transparecia no rosto de cada membro da família! Era domingo!!
Durante a semana os banhos eram supervisionados pelas irmãs maiores, que iam trocando de água ou jogando-a vagarosamente com um jarro sobre o corpo já ensaboado, na bacia maior. Na hora de dormir lavavam somente os pés.
-Luzia, já que ocê ainda não veio lavá os pé, pegue então o pano lá no varar pra gente enxugá os da Tetê, pedia Regina e Maria em coro, ao perceberem que ela estava a espiar pela fresta da janela. Ainda brincava lá fora tentando segurar um vaga-lume.
-Aquele trapo, que era calça rancheira do pai?
-Não! Pegue aquele de saco de açúcar que deve estar mais limpo. -Explicou Regina, esfregando com a bucha os pezinhos finos de Tetê.
-Cuidado com a corrente de vento. Põe logo a roupa e não saiam lá fora dispoi do banho quente, senão pega resfriado!! –Lembra Dona Auda às crianças.
Fazia parte da higiene pessoal das crianças a captura de carrapatos e micuim que se proliferavam pelo pasto e pela mata em determinadas épocas, vindo a pular para o corpo quente das crianças e dos animais. Era um Deus nos acuda: todos com dois ou três carrapatos, quando não, inúmeros. Uma coceirinha gostosa e lá ia Dona Auda com um pano embebido em álcool, temperado com ervas ou não, retirando um a um, para alívio dos pequenos. Os que não pegavam o artrópode tinham inveja dos irmãos que recebiam cuidados especiais da mãe. Achavam que micuim era outro tipo de aracnídeo. Somente na cidade, quando adultos, é que tiveram a grande revelação para espanto e decepção: “o micuim é o filhote do carrapato, sabia, mãe? Ou, o carrapato é pai do micuim?” –Disseram.
 Ações cotidianas que demonstravam carinho e afeto uns aos outros. Esses momentos de proximidade física com a mãe eram apreciados pelas crianças.

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